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sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Luiz Flávio Gomes: “Um mesmo ministro do Supremo investigar e julgar é do tempo da Inquisição”

publicado em 18 de setembro de 2012 às 18:42
por Conceição Lemes


viomundo

Desde o início do julgamento do “mensalão”, a sociedade assiste ao ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), cumprir dois papéis. O de policial, pois participou de todo o processo de investigação. E o de julgador, já que vota também sobre o destino dos 38 acusados no processo.

Isso me chamou a atenção. Como leiga no assunto, me fiz várias perguntas: não haveria aí um conflito de interesse? É justo? Qual o procedimento adotado nos países desenvolvidos? A dupla-função não poderia contaminar o processo?
“Pelo artigo 230 do Regimento do Supremo, não há problema. Um mesmo ministro pode presidir a fase de investigação e julgar”, explica o advogado criminal Luiz Flávio Gomes. “Porém, por força da Corte Interamericana de Direitos Humanos, quem preside a investigação, não pode participar depois do processo.”

“O regimento interno do Supremo é ultrapassado, autoritário, despótico”, ressalta. “Esse dispositivo de um mesmo ministro cumprir dois papéis é absurdo. Isso é da Idade Média. No tempo da Inquisição era assim:  o juiz investigava e julgava.”

Durante 15 anos, Luiz Flávio Gomes foi juiz criminal em São Paulo. Depois, aposentou-se e advogou por dois anos. É fundador da maior rede de ensino à distância na área jurídica do país. Nesse ramo, é concorrente do ministro Gilmar Mendes, do STF. É considerado um estudioso do Direito. Por isso, segue a nossa entrevista na íntegra.


Viomundo – O ministro Joaquim Barbosa presidiu a investigação do  “mensalão” e está julgando o caso. Não há problema nisso?
Luiz Flávio Gomes — Pelo artigo 230 do Regimento Interno do Supremo, é legítimo, legal, não há nenhum problema. Porém, por força da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que fica em San José da Costa Rica, não pode.

A Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos diz:  quem preside a investigação não pode participar depois do processo, porque aí  cumpre dois papéis.  Um é o de investigador. E outro de juiz. E isso não pode. O juiz tem de ser imparcial;  juiz não pode ter vínculos com as provas antes do julgamento.

Portanto, o regimento interno do nosso Supremo é  ultrapassado, autoritário e absurdo, pois permite que o mesmo ministro cumpra dois papéis, como está acontecendo agora.


Viomundo – Pela Corte Interamericana, o ministro Barbosa não poderia acumular as duas funções?
Luiz Flávio Gomes – Não se trata especificamente do ministro Joaquim Barbosa. Qualquer que fosse o ministro do Supremo designado para a fase de investigação, ele não deveria julgar. Se o fizer, estará seguindo um dispositivo arcaico, ultrapassado e que não condiz com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.


Viomundo – O STF usa a mesma conduta para outros casos?
Luiz Flávio Gomes – Sim. É da tradição do Supremo, porque segue rigorosamente o artigo  230 do Regimento Interno. Porém, isso é do tempo do Brasil ditatorial. É uma regra que não condiz hoje com a democracia, com os valores de um juiz imparcial.


Viomundo – Essa norma vem da ditadura militar?
Luiz Flávio Gomes – É de bem antes. Antigamente, um caso ou outro caso ia para o Supremo. E num país racista, classista, como o nosso, gente de cima não ia a julgamento. Então nunca ninguém chamou atenção para isso.
Mas, de uns tempos para cá, com mais réus respondendo processo no Supremo, já se começa a perceber que a legislação do próprio Supremo é muito ultrapassada, está incorreta, não é justa. Eu não queria ser julgado por um juiz que investigou na fase anterior. Eu quero ser julgado por um juiz imparcial.


Viomundo – O juiz que investiga e julga ficaria contaminado?
Luiz Flávio Gomes – Perfeito! É essa a expressão correta. A doutrina italiana usa, inclusive, essa expressão. O juiz fica psicologicamente envolvido com o que ele faz antes e aí está contaminado para atuar depois no processo.

No caso do STF, o ministro que investiga é quem determina as provas, quebras de sigilo, oitiva dessa ou daquela pessoa  e assim por diante. Ele preside tudo sozinho desde o começo. Essa é a norma. Os demais ministros só conhecem o resultado de tudo isso, o que está no papel. Esse é o regimento do STF. Porém, ele conflita com o regulamento da  Corte Interamericana de Direitos Humanos.



Viomundo – Como funciona em outros países?
Luiz Flávio Gomes – Tem um caso famoso – Las Palmeras contra a Colômbia –  que aconteceu algo igual ao que está ocorrendo aqui agora. Um juiz presidiu a investigação e depois participou do julgamento.

Esse caso foi para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que disse: não pode.  O magistrado que cumpre o duplo papel de “parte” (investigador) e de juiz viola a garantia do juiz imparcial. Em função disso, a Corte anulou totalmente o julgamento realizado na Colômbia.

Respondendo então diretamente à sua pergunta: no mundo inteiro civilizado, o duplo papel não pode, pois conflita com o juiz imparcial.

Não é achismo meu, Luiz Flávio. É a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos que diz que o juiz não pode cumprir o papel de policial, investigador, e depois o de juiz.


Viomundo — Qual a diferença entre a investigação do procurador-geral da República e a do ministro do STF?
Luiz Flávio Gomes — O procurador também faz investigação. Ele tem o papel efetivo de acusar as pessoas. Ele investiga antes de tudo. Para ele acusar, ele tem de ter provas. O papel dele é esse mesmo.

O problema é que quem vai julgar depois tem de ser alguém que não tenha tido nenhum contato com este momento anterior, por já estar  psicologicamente envolvido com tudo.


Viomundo – Que conseqüência esse duplo papel pode ter?

Luiz Flávio Gomes – Certamente o caso será levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que depois remeterá para a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

É grande a possibilidade de esse processo ser anulado, como no caso da Colômbia.  Já existe jurisprudência precedente naquela corte. Não é novidade para a Corte Interamericana. Além disso, deve mandar o Brasil fazer um novo julgamento, com juiz imparcial.


Viomundo — Como é a nossa relação com  a Corte Interamericana de Direitos Humanos?
Luiz Flávio Gomes — Cada país adere ou não adere. E o Brasil aderiu em 1998. Portanto, quem adere, tem que cumprir o que a Corte determina. Por exemplo, a Maria da Penha, aquela senhora que apanhou do marido e quase foi morta. Ela para conquistar o que pleiteava teve de recorrer à  Corte Interamericana de Direitos Humanos, porque a Justiça brasileira não estava funcionando para o caso dela.

E o que aconteceu com a Maria da Penha? O Brasil acabou cumprindo direitinho tudo o que a Corte Interamericana determinou.

E por que o Brasil cumpriu? Porque aderiu. Existe uma expressão latina que nós
usamos no campo do Direito que diz o seguinte: você não é obrigado a assinar nenhum documento, mas se assinou, tem de seguir.

Por isso existe uma grande possibilidade de esse caso ser remetido à Corte Interamericana.


Viomundo — Teria algum outro motivo para isso acontecer?
 Luiz Flávio Gomes – Tem, sim. Dos 38 réus da Ação Penal 470, apenas três deles deveriam ser julgados pelo STF; os outros 35, não, pois não têm direito a recurso.


Viomundo – Por favor, explique melhor.  
Luiz Flávio Gomes — Os que têm de ser julgados pelo STF são os três deputados: João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar da Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henri (PP-SP).  Até por causa do foro privilegiado, já que são parlamentares, têm que ser julgados pelo Supremo e não há nenhum órgão acima. Por isso são julgados uma só vez.

Já os outros 35 tinham de ir para a Justiça de primeiro grau, serem julgados e, aí, prosseguir o processo. É o que nós chamamos de duplo grau de recurso. Só que eles não tiveram direito a isso.  O STF lhes negou.

E o que é pior. Neste final de semana, um jornal trouxe a informação de que o esse processo tem outros 80 réus. Só que esses 80 réus terão direito a duplo grau de recurso. E os 35 não terão. Esse tratamento desigual é absurdo.

 Os 35 não têm por causa de três. Só que 80 do mesmo caso vão ter duplo grau de recurso porque o processo foi para outras instâncias. Os 35 estão sendo tratados de maneira desigual.

Um peso e duas medidas para uma mesmíssima situação.  Portanto, esse é outro problema que com certeza vai acabar na Corte Interamericana de Direitos Humanos.


Viomundo — Isso tudo vai ser decidido a curto prazo?
Luiz Flávio Gomes – O Supremo cumpre logo a sua função. Pelo que vimos, vai condenar praticamente todo mundo. Agora, ser condenado não significa que aqueles que terão penas de prisão irão automaticamente para cadeia.  Haverá embargos. Aí, depois, transitará em julgado.


Viomundo – Indo para a Corte Interamericana de Direitos Humanos o que acontecerá?
Luiz Flávio Gomes – Há duas coisas. Lá , o processo é moroso e não suspende o que foi resolvido aqui até a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Se o Supremo mandar alguém para a cadeia, a pessoa irá para a cadeia normalmente.

Mas, no futuro, a Corte deverá anular o julgamento. Nessa altura, o pessoal já terá cumprido pena. De qualquer maneira, essas pessoas terão direito a indenização. E certamente a Corte vai mandar o STF refazer o seu regimento interno.


Viomundo – É esse o encaminhamento que imagina que vai ser dado?
Luiz Flávio Gomes – Sim. A Corte Interamericana vai mandar o Brasil refazer o seu regimento interno, pois é um dispositivo despótico. Isso é da Idade Média. Nos processos da Inquisição era assim: o mesmo juiz investigava e julgava. E isso  inconcebível numa democracia, em pleno XXI.

Pablo Gutiérrez: Corte pode ordenar anulação do julgamento da AP 470

publicado em 12 de dezembro de 2012 às 10:39


Pablo Gutiérrez: O duplo grau de jurisdição para os réus é uma das exigências da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ao não garanti-lo, o julgamento violou o Pacto de São José da Costa Rica

por Conceição Lemes

Ao longo do julgamento da Ação Penal 470 no Supremo Tribunal Federal (STF), o Viomundo entrevistou os juristas Dalmo de Abreu Dallari, Rubens Casara e Luiz Flávio Gomes. Os três disseram que o caso do mensalão quase certamente será remetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos, à qual o Brasil aderiu há mais de dez anos.

Motivo: vários equívocos no processo. Um deles, a dupla-função. Quem preside a fase de investigação não pode depois participar do julgamento, porque aí cumpre os papéis de investigador e de juiz.

Foi o que fez o ministro Joaquim Barbosa, atual presidente do Supremo. Pelo artigo 230 do STF, não há nada errado com essa conduta.

Porém, para a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos esse duplo-papel é inadequado, independentemente de quem seja o ministro. O juiz tem de ser imparcial, não pode ter vínculos com as provas antes do julgamento.

Outro equívoco apontado pelos juristas ouvidos pelo Viomundo: 35 dos 38 réus não tiveram direito à segunda instância. Por decisão do Supremo, o julgamento de todos foi apenas em uma instância, o STF, embora 35 não tivessem direito ao chamado foro privilegiado.

Tão logo se aventou a possibilidade de os réus apelarem à Corte Interamericana, os ministros Joaquim Barbosa e Marco Aurélio Mello desdenharam. Barbosa chamou a ação de tentativa de “enganar o público leigo” por pensar que poderia ser revertida. Mello definiu-a como “direito de espernear”.

O professor argentino Pablo Angel Gutiérrez Colantuono discorda da interpretação de ambos. Especialista em direitos humanos e tratados internacionais, é autor do livro Administración Pública, Juridicidad y Derechos Humanos. A convite do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (Ibeji), Gutiérrez esteve recentemente em São Paulo, para fazer uma palestra na Advocacia Geral da União. No final dessa semana, nós conversamos mais sobre o assunto.

Viomundo – Os réus condenados na Ação Penal 470 podem realmente recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos?
Pablo Gutiérrez – Eu não conheço tecnicamente o caso a que você refere. Porém, geralmente, nos países que fazem parte do Pacto de São José da Costa Rica, qualquer cidadão que teve violado os seus direitos humanos pelo Estado pode, uma vez esgotados todos os recursos internos, apresentar o “seu caso” à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. E esta, se julgar procedente, apresentar “o caso” à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O Brasil, como você bem sabe, é Estado Membro do Pacto de São José. Portanto, qualquer cidadão brasileiro pode representar ao sistema americano de direitos humanos, desde que alguns procedimentos sejam seguidos.


Viomundo — O senhor considera “cinismo” ou “enganação do público leigo” recorrer à Corte Interamericana?
Pablo Gutiérrez – A proteção dos direitos humanos é dever primário dos Estados Membros do Pacto. Isso vale para todos os poderes. Apelar à Justiça nacional ou internacional é um direito fundamental do homem -– a chamada tutela judicial efetiva.

A Corte Interamericana tem insistido para que os juízes de cada Estado Membro efetuem o denominado controle da convencionalidade, enquanto decidem sobre causas judiciais.

Controle da convencionalidade significa analisar os níveis de compatibilidade de normas, atos administrativos e interpretações judiciais em relação às normas do sistema americano de direitos humanos. Esse controle deve ser realizado automaticamente pelos juízes, de ofício, ou seja, sem que as partes solicitem.
Todo cidadão também tem o direito de solicitar aos juízes que apliquem ao seu caso o controle da convencionalidade. Portanto, é fundamental que o Estado Membro assegure internamente o direito a esse recurso -– artigo 25 e 8 do Pacto de São José da Costa Rica –, que deve ser julgado por juízes independentes e imparciais em relação ao processo em questão, assegurando, especialmente nas questões penais, a garantia do duplo grau de jurisdição [também chamado por alguns juristas de duplo grau de recurso].

Uma sentença judicial deve ser sempre revisada por uma segunda instância superior àquela que proferiu a condenação. É a chamada “garantia do duplo grau de jurisdição ou do duplo controle” – artigo 8, parágrafo 2, alínea h, do Pacto de São José da Costa Rica.

Em resumo: recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos é uma garantia fundamental protegida internacionalmente, faz parte da tutela judicial efetiva como direito humano da pessoa.


Viomundo – Qual o papel da Corte Interamericana?
Pablo Gutiérrez – Nos países que aceitaram soberanamente a sua jurisdição, a Corte Interamericana de Direitos Humanos é o último tribunal em matéria de direitos e garantias.

É o órgão jurisdicional do sistema americano de direitos humanos. Ele foi pensado com as seguintes características:
a) é uma proteção transnacional dos direitos e garantias do homem;
b) é uma proteção subsidiária à do Estado. Isso significa que cabe primeiro ao Estado proteger, promover e garantir internamente os direitos humanos. E todas as autoridades públicas — executivo, legislativo e judicial – são obrigadas a fazê-lo;
c) se o Estado Membro viola esse sistema de proteção e garantias,o cidadão, uma vez esgotados todos os recursos legais e administrativos, pode recorrer à instância internacional, via Pacto de São José da Costa Rica.


Viomundo – Como se dá esse processo?
Pablo Gutiérrez – Apresenta-se uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Aí, ao tramitar, é dada ao Estado a oportunidade de se defender e até mesmo propor um acordo. A Comissão é que vai decidir se o caso deve ou não ser submetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Uma vez apresentado o caso à Corte Interamericana, ela analisa se houve ou não violação de alguma das obrigações gerais dos artigos 1.1 e 2 do Pacto de São José da Costa Rica.

O artigo 1.1 estabelece que os Estados Membros têm de respeitar os direitos e liberdades reconhecidos pela Corte para garantir o pleno e livre exercício a toda pessoa sob sua jurisdição. Isso se impõe não apenas em relação ao poder do Estado mas também em relação à atuação de terceiros.

O artigo 2  estabelece as medidas necessárias para garantir os direitos humanos previstos no Pacto de São José em relação a alguma obrigação especial. É importante registrar que os tratados de direitos humanos, como o de São José da Costa Rica, outorgam direitos aos cidadãos e deveres principalmente aos Estados. E os Estados estão obrigados a cumprir tanto o Tratado de São José como as sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos, porque assim determina o Tratado. Também porque a Convenção de Viena de Tratados estabelece que eles sejam cumpridos sob o princípio da boa fé.


Viomundo – Em que casos se pode recorrer à Corte Interamericana?
Pablo Gutiérrez – A causa é a violação pelo Estado Membro dos deveres gerais de assegurar, promover e proteger os direitos e garantias assegurados no Pacto de São José da Costa Rica – artigos 1.1 e 2 do Pacto. O Estado está obrigado não apenas a eliminar os obstáculos internos,  mas também a adotar decisões que promovam e protejam positivamente os direitos humanos.


Viomundo – A Corte Interamericana poderia funcionar como uma espécie de tribunal para o Supremo Tribunal Federal brasileiro?
Pablo Gutiérrez – Tecnicamente a Corte Interamericana de Direitos Humanos não é uma quarta instância judicial, tampouco é um “tribunal de apelação” dos tribunais internos de cada país.

A Corte Interamericana não julga novamente as responsabilidades penais, civis. O que ela faz é condenar a violação por parte do Estado por atos administrativos, leis ou sentenças judiciais, que violem os direitos humanos.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem condenado Estado Membro por não assegurar investigação efetiva e processo justo, por exemplo. Também por não garantir  proteção de menores de idade, populações indígenas, população privada de liberdade. Assim como por violar a liberdade de imprensa, a privacidade e a propriedade, entre outras tantas infrações.

Agora, uma vez o Estado condenado pela Corte Interamericana, porque seus processos judiciais e administrativos desrespeitam o sistema internacional, ela pode, no âmbito interno, direta ou indiretamente, gerar consequências:
a) uma nova ação na Justiça;
b) indenização por parte do Estado pela infração;
c) atos públicos de reconhecimento da responsabilidade internacional;
d) medidas para conscientizar os funcionários públicos – inclusive o Poder Judiciário – dos parâmetros que regem o sistema internacional de direitos humanos.

Um exemplo das implicações das decisões da Corte Interamericana no sistema judicial é  é o caso da Argentina e a atuação judicial nos crimes de lesa humanidade.

A adequação da Corte Suprema de Justiça da Argentina aos critérios da Corte Interamericana gerou a investigação dos delitos cometidos durante a última ditadura militar, declarando nulas as leis de anistia daquele tempo e aceitando esses crimes como imprescritíveis. Esse é justamente o critério da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Nesse e em quaisquer outros tipos de processos judiciais, é sempre imprescindível o respeito irrestrito à garantia do devido processo judicial. Ou seja, presunção da inocência, duplo grau de jurisdição, devida fundamentação das sentenças, direito a um advogado, um intérprete no caso de ser um estrangeiro, oferecer, produzir e controlar as provas, direito a um juiz imparcial e independente, entre outras garantias.

Na Argentina, a Suprema Corte de Justiça tem um critério de ampla convergência entre as suas sentenças e as da Corte Interamericana. Parte disso se explica porque o Pacto de São José da Costa Rica, entre outros instrumentos internacionais, foi incorporado ao mesmo nível que a Constituição Nacional no sistema legal argentino.


Viomundo – As decisões da Corte Interamericana têm caráter de recomendação ou de determinação ao Estado Membro condenado?
Pablo Gutiérrez – Não são recomendações, são sentenças que condenam e ordenam meios eficazes para reparação das vítimas. Desde 25 de setembro de 1992, o Brasil é um Estado Membro da Convenção Americana. O artigo 62 dessa mesma convenção reconheceu a competência contenciosa da Corte em 10 de dezembro de 1998. O artigo 67 da Convenção Americana estipula que as sentenças da Corte devem ser prontamente cumpridas pelo Estado e de forma integral.

Além disso, o artigo 68.1 da Convenção Americana estipula que os Estados Membros se comprometem a cumprir a decisão da Corte Interamericana em todos os casos em que sejam partes. Portanto, os Estados devem assegurar internamente a implementação do disposto pela Corte Interamericana em suas decisões.

Tal como diz a Corte Interamericana de Direitos Humanos “a obrigação de cumprir o disposto nas sentenças do Tribunal [Corte Interamericana de Direitos Humanos] corresponde a um princípio básico do Direito Internacional, respaldada pela jurisprudência internacional, segundo a qual os Estados devem cumprir com as suas obrigações decorrentes de tratados internacionais  de boa fé  (pacta sunt servanda) e, como tem assinalado esta Corte e o disposto no artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, aqueles não podem, por razões internas, deixar de assumir a responsabilidade internacional já estabelecida. As obrigações convencionais dos Estados Membros vinculam a todos os poderes e órgãos do Estado.”


Viomundo – O que pode acontecer se o país não acatar as determinações da Corte?
Pablo Gutiérrez – Uma vez pronunciada a sentença condenatória, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem poderes inerentes às funções jurisdicionais. Uma delas é a supervisão do cumprimento das suas decisões.
Essa atribuição inclui o dever do Estado de informar à Corte Interamericana sobre as medidas adotadas para o cumprimento do que ela ordenou em suas sentenças.

A informação adequada ao Tribunal sobre como cada um dos pontos determinados é fundamental para avaliar a situação do cumprimento da sentença no seu conjunto. Também, e em caso de persistência do não cumprimento por parte do Estado Membro, essa informação constará dos relatórios anuais da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre os ditos descumprimentos.

É importante ter em mente que é cada vez mais forte a vinculação dos sistemas internacionais de direitos humanos com aqueles que têm como objeto atingir os sistemas comunitários ou de integração, principalmente econômicos.

Um exemplo é a União Europeia. A condição para integrá-la é que os novos países adotem o denominado Tratado de Direitos Humanos Europeu, o Tratado de Roma.

Um exemplo de cumprimento por parte do Brasil de sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos é o caso Escher y otros vs. Brasil. A resolução, de 19 de junho de 2012, determinou o pleno cumprimento pelo Brasil da sentença da Corte Interamericana, ditada em 6 de julho de 2009.


Viomundo — A Corte Interamericana pode determinar um novo julgamento da Ação Penal 470?
Pablo Gutiérrez – A Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Herrera Ulloa vs Costa Rica, em 2 de julho de 2004, ordenou o Estado a tornar sem efeito a sentença ditada em seu país por haver violado, entre outras, a garantia do artigo 8, parágrafo 2, alínea h. É a garantia do duplo grau de jurisdição!

É um exemplo daquilo que pode ocorrer se um país incorre em responsabilidade internacional: tornar sem efeito o ato estatal – no caso a sentença – ou os efeitos de tal ato.   Nesse caso, também se condenou a Costa Rica a, num prazo razoável, modificar o seu sistema legal interno para assegurar o direito a uma dupla instância.

Caso se detecte essa infração em algum caso no Brasil e ela, junto com outras infrações, violem os artigos 1.1 e 2 do Pacto de São José da Costa Rica, a Corte Interamericana de Direitos Humanos pode tornar sem efeito a sentença do Estado brasileiro.


Viomundo – No julgamento da Ação Penal 470, os réus não tiveram direito ao duplo grau de jurisdição. Isso pode fazer com que a Corte Interamericana torne as sentenças sem efeito e determine novo julgamento?
Pablo Gutiérrez – A Corte Interamericana de Direitos Humanos pode ordenar anulação do  julgamento porque ele violou o Pacto de São José de Costa Rica.  O direito ao duplo grau de jurisdição é uma das exigências da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Barbosa deve fazer de Dirceu um peru de Natal

 Gurgel, que Collor acusa de chantagista e prevaricador, quer prender todo mundo já !


Saiu na Folha (*):

Prisão é necessária para não relegar esforço dos STF aos ‘porões da ineficiência’, diz Gurgel


O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou nesta quarta-feira (18) que vai entregar até o final da semana ao STF (Supremo Tribunal Federal) um novo pedido de prisão imediata dos condenados no processo do mensalão.

Segundo Gurgel, a prisão automática é necessária porque é “grande a urgência de dar efetividade a decisão do Supremo” para reconhecer o “esforço magnífico que foi feito pelo Supremo no sentido de prestigiar de forma importantíssima os valores republicanos que não pode agora ser relegado aos porões da ineficiência”, disse .



 


Navalha
Adicionar legenda



O Conversa Afiada recomenda que o sacrifício de Dirceu e Genoíno seja em praça pública.

Que as algemas sejam colocadas diante das câmeras dos tele “jornais”do Ali Kamel.

A tempo de pegar o jornal nacional do dia 24, antes da Missa do Galo.

Em seguida, Ataulfo Merval de Paiva acende a fogueira onde os dois serão impiedosamente atirados.
Viva o Brasil !

Paulo Henrique Amorim




(*) Folha é um jornal que não se deve deixar a avó ler, porque publica palavrões. Além disso, Folha é aquele jornal que entrevista Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da investigação; da “ditabranda”; da ficha falsa da Dilma; que veste FHC com o manto de “bom caráter”, porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; que matou o Tuma e depois o ressuscitou; e que é o que é,  porque o dono é o que é; nos anos militares, a  Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores.

O dedo-duro de Valério

cartacapital

 15.12.2012 07:42

Num jogo tipicamente político e grosseiramente ilegal, a Procuradoria-Geral da República vazou trechos do que seria o teor da delação premiada do publicitário Marcos Valério, feita para tentar se beneficiar, em setembro de 2012.

O alvo de Valério foi o ex-presidente Lula, que a oposição espera que, pressionado, em algum momento empunhe um revólver e atire contra o próprio peito.

Uma repetição da história como farsa, após a tragédia vivida por Getúlio Vargas nos anos 1950.
Nilo Batista. “Mudaria o Supremo, ou mudei eu?”

Em outra época, em outro momento, delação premiada expressava graficamente um dedo-duro apontado em alguma direção. Era a deduragem.
A delação premiada, como lembra o penalista Nilo Batista, chegou às legislações brasileiras, nos anos 1980, não por acaso ao mesmo tempo em que foi adotada nos Estados Unidos.

“A delação premiada é um dos sinais do ‘vigilantismo’ e da ‘invasividade’ que caracterizam os sistemas penais moldados após a crise do capitalismo industrial. Ou seja, a vigência dos sistemas penais do neoliberalismo”, traduz Batista.

Segundo Nilo Batista, essa inovação foi recebida “com reservas” pelos melhores professores brasileiros, tais como Jacinto Coutinho, Geraldo Prado, Aury Lopes, Fauzi Hassan Choukr e Walter Barbosa Bittar. Mas reação semelhante ocorreu ao longo do mundo. Batista cita Hassemer, na Alemanha, e Ferrajoli, na Itália.

“A primeira e mais essencial crítica tem a ver com a inversão do estatuto ético da traição. Entre nós, essa crítica não prosperou fora dos meios acadêmicos”, diz Nilo Batista, perplexo com o fato de que a lei valorize positivamente o alcaguete.

A surpresa não é tanta. A cultura brasileira fez recentemente de um torturador o herói nacional. Assim o Capitão Nascimento foi aplaudido sem constrangimentos.

Isso arranca a ironia do sentimento do penalista: “Esperemos com resignação pela lei que trocará o nome da cidade mineira de Tiradentes para Joaquim Silvério dos Reis. Um delator bem premiado”.

Mas a questão moral é apenas um efeito colateral secundário da situação. Se fosse apenas isso, não seria tão preocupante.

“A história nos ensina que a imoralidade de uma lei às vezes não se revela claramente aos contemporâneos de sua promulgação. Pior que isso é a baixa qualidade da prova que sustenta a chamada delação premiada”, anota Batista.

O nome que os clássicos tratadistas da prova davam às delações premiadas, providas desde a Antiguidade pelos traidores e alcaguetes, era corréus. O primeiro elemento de descrédito do corréu, no seu isolamento, é quando a denúncia vem desacompanhada de qualquer base probatória.

Batista explica que, nesse caso, “repete-se o problema lógico da testemunha única: a imputação provém da testemunha única e a prova da imputação também”.

Ou seja, a imputação seria provada por ela mesma. Chama-se a isso de “petição de princípio”.

“Esse descrédito se potencializa quando o chamado corréu tem o objetivo colateral de minimizar sua responsabilidade. Seja atribuindo atos próprios ao delatado (“Quem atirou foi ele, eu só estava perto”), seja reduzindo sua liberdade de atuação (“O pedido dele era uma ordem para mim”), seja obtendo qualquer vantagem como na delação premiada”, diz Batista.

Os corréus, ou delatores, não podem servir como fundamento exclusivo da condenação. Batista cita inúmeras decisões do STF nesse sentido. Mas, ao ler os jornais de hoje, ele busca inspiração em Machado de Assis e balbucia um “pequeno verso”: “Mudaria o Supremo ou mudei eu?”

Andante Mosso
Carlos Medeiros Silva


Farda de toga
Uma das mais tenebrosas frases criadas pelo Direito brasileiro consta do preâmbulo do primeiro Ato Institucional que, após o golpe contra o presidente João Goulart, fundou as bases da ditadura de 1964:

“A revolução vitoriosa (…) se legitima a si mesma”. Ou seja, não havia limites.

Quem chutou o pau da barraca foi o advogado Carlos Medeiros Silva. Sempre de plantão nos ocasos da democracia, ele formulou o princípio meses antes de tomar posse no Supremo Tribunal Federal, indicado pelo general presidente Castelo Branco.


Toga de farda
Esse fantasma baixou no plenário do STF há poucos dias.
Intolerante com as idas e vindas do debate sobre o direito de o STF cassar os deputados punidos no “mensalão”, o ministro presidente Joaquim Barbosa fez uma afirmação com a força de uma bula papal: “A Constituição
é aquilo que o Supremo Tribunal Federal diz que é”.


O ambiente é democrático.  Mas, submetido a um exame de DNA, vai se encontrar na afirmação de Barbosa algum parentesco com a proposição de Medeiros.
Muito além da entonação.

PSB: 2018
Alguns dos principais líderes petistas já chamam o acordo partidário em torno da candidatura Dilma para 2014 como “tríplice aliança”: PT, PMDB e PSB.
Para manter esse pacto admitem entregar a cabeça da chapa presidencial, em 2018, a Eduardo Campos e ficar com a indicação do vice.

O PMDB poderia repetir Temer na vice, já que o partido não tem opção de candidatura própria ao longo da primeira metade do século. Há quem deposite esperança no bisneto do doutor Ulysses.


Leia também:
Luiz Fux
A oposição em desespero


Reprise para a história
Estão abertas as interpretações sobre a interrupção da sessão plenária do STF no dia 10, com a presença de nove ministros.

Na pauta, o controvertido debate em torno da legitimidade do Supremo de cassar o mandato dos deputados punidos no julgamento do “mensalão”.
Acostumado a esticar as sessões à exaustão, o ministro Joaquim Barbosa, naquele dia, encerrou a reunião exatamente às 18h40 quando o resultado apontava um empate de 4 a 4.

Faltava somente o voto de Celso de Mello.
Por que parou? Parou por quê?
A mando dos fados. A estranha semelhança entre Carlos Medeiros Silva e Joaquim Barbosa

Homenagem
Quando esteve no Brasil, em 2010, o escritor português José Saramago se submeteu à torturante rodada de entrevistas coletivas.

Numa delas, dois “ousados” repórteres insistiram em tirar dele uma explicação: por que, após tudo que foi publicado sobre os crimes da ditadura soviética, ele ainda se declarava comunista?

Os repórteres trocaram olhares cúmplices que podiam ser traduzidos como: “Agora nós o pegamos”.
Saramago, morto aos 90 anos, não precisou de tempo para responder:

“Continuo comunista pela mesma razão de os
católicos continuarem católicos após saber das atrocidades da Igreja ao longo dos séculos”.

O arquiteto comunista brasileiro Oscar Niemeyer, morto no dia 5 de dezembro, aos 104 anos, gargalhava com essa história.


Supremo: Que Celso?
Qual é o freio capaz de conter os excessos do Judiciário brasileiro, encarnado pela expansão “leviatanesca” do Supremo Tribunal Federal?
A resposta é única: a política. Só a política deve conter o poder político.
Essa anomalia do STF virou ameaça quando a Corte discutiu a legitimidade para cassar mandatos de parlamentares condenados por ela no julgamento do “mensalão”.
O resultado esbarrou no empate. Faltou um voto.

Uma gripe oficialmente anunciada impediu o ministro Celso de Mello de desempatar. Mello é, ou era, um juiz assinalado. Antecipou sua opção na sessão interrompida: “O Congresso não pode interferir nos efeitos que resultam de uma condenação penal transitado em julgado proferida no STF. Mas também não pode interferir nas consequências dos efeitos extrapenais”.

Em 1995, no entanto, afirmava outra coisa: “(…) o congressista, enquanto perdurar o seu mandato, só poderá ser deste excepcionalmente privado (…) por efeito exclusivo de deliberação tomada pelo voto secreto e pela maioria absoluta dps membros de sua Casa Legislativa.” Mudou o Natal ou o cristão?


sábado, 15 de dezembro de 2012

Um direito universal

Frank La Rue

15.12.2012 08:31

CC


A passagem de Frank La Rue pelo Brasil foi solenemente ignorada pela maioria dos meios de comunicação. Entende-se: o jornalista nascido na Guatemala, relator especial para a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão das Nações Unidas, é um crítico duro e contumaz dos oligopólios de mídia no mundo e, em especial, na América Latina. Em uma viagem de três dias, La Rue reuniu-se com congressistas e militantes dos movimentos sociais organizados pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão, coordenada pelo deputado Domingos Dutra (PT-MA), também presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Participou de debates organizados pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, esteve em ministérios, foi à Secretaria Geral da Presidência da República e à Universidade de Brasília.
La Rue. Defensor de leis que ampliem a diversidade nos meios de comunicação

Antes, contudo, entrou na cova dos leões. Na quarta-feira 12, logo cedo, o relator da ONU visitou a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, a principal representante do oligopólio combatido por La Rue. Diante do presidente da entidade, Daniel Slaviero, e de meia dúzia de diretores, não se fez de rogado: criticou o monopólio de comunicação, pregou a democratização da informação e, para desconforto dos interlocutores, defendeu a aplicação da Lei de Meios na Argentina, o fantasma normativo que assombra os donos da mídia da região.

Na Câmara, declarou-se “perplexo” com a postura do Supremo Tribunal Federal, prestes a tornar ineficaz a classificação indicativa da programação de tevê graças a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo PTB, sob encomenda da Abert. “Não me lembro de outro país cuja Suprema Corte mostrasse alguma disposição em sacrificar o direito de crianças.” Por conta de um pedido de vistas do ministro Joaquim Barbosa, o julgamento no STF foi suspenso, no mês passado, quando quatro ministros (Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ayres Britto, que adiantou o voto antes de se aposentar) tinham votado a favor dos interesses da Abert. Em meio a tantos compromissos, La Rue concedeu a seguinte entrevista a CartaCapital.


CartaCapital: O que é liberdade de expressão?
Frank La Rue: É um direito universal, um direito de todos, e não apenas das grandes corporações de mídia. Liberdade de expressão não é só o direito de liberdade de imprensa. É um direito de a sociedade estar bem informada, é uma questão de Justiça e cidadania vinculada diretamente ao princípio da diversidade de meios. Por isso, o monopólio de comunicação é contra, justamente, a liberdade de expressão e o exercício pleno da cidadania.


CC: O monopólio é uma regra na -América Latina?
FLR: Na América Latina há um fenômeno histórico comum porque toda a estrutura de comunicação social foi pensada somente pela ótica comercial. E a comunicação é muito mais do que isso, é um serviço público. Nenhum problema em também ser um negócio, ninguém está contra isso, mas deve prevalecer o espírito do serviço à coletividade, feito com qualidade e independência, de forma honesta e objetiva. Isso só pode funcionar fora da estrutura de monopólio, dentro do princípio da diversidade e do pluralismo de meios.


CC: O que o senhor acha da transformação desses monopólios, a exemplo do Brasil, em estruturas partidárias de oposição?
FLR: Não importa se os meios de comunicação se colocam ou não na oposição a governos, como ocorre em parte da América Latina, isso é parte do conceito de liberdade de expressão. O problema é quando todos os meios, quando todas as corporações de mídia têm uma única posição. Esse tipo de monopólio, da opinião e do pensamento, é uma violação, inclusive, à -liberdade de empresa. É concorrência desleal.


CC: Por isso o senhor tem declarado publicamente seu apoio à Lei de Meios baixada pelo governo Cristina Kirchner na Argentina?
FLR: Na Argentina apoiei a Lei de Meios, a norma, não o governo, porque esse não é meu papel. Lá foi feita uma divisão correta do espectro de telecomunicações de modo a quebrar o monopólio local (nas mãos do Grupo Clarín), em três partes: comercial, comunitária e pública. No Uruguai está em discussão uma lei semelhante, mas ainda mais avançada, pois fruto de um processo de amplo diálogo com a população. Isso é fascinante, o caminho do consenso nacional.


CC: Qual é o papel da internet no processo de quebra dos monopólios e democratização da informação?
FLR: É muito importante garantir o direito de acesso à informação, via inclusão digital, justamente para as populações mais pobres que vivem nos locais mais distantes. As novas tecnologias não podem ficar restritas a poucos, devem ser compartilhadas com todos. Todos devem ter acesso à informação e, ao mesmo tempo, difundir amplamente opiniões distintas sobre diversos temas.


CC: Mas como viabilizar?
FLR: É preciso, primeiro, romper o silêncio social derivado do monopólio, só assim será possível romper também os ciclos de impunidade e injustiça que derivam desse modelo.


CC: Como no caso do Brasil?
FLR: Não posso me pronunciar sobre o caso específico do Brasil, não estou em visita oficial ao País. Mas a posição dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) é muito importante no processo de inclusão digital e de neutralidade da internet. É fundamental mantermos esse diálogo de modo a proteger a neutralidade da rede, de garanti-la para todos. Porque há muita gente interessada em regular a internet, quase sempre em nome da segurança nacional, mas a verdadeira intenção é a de violar a privacidade do cidadão. Não sou contra, obviamente, combater o terrorismo. Não se pode usar, no entanto, o argumento como desculpa para controlar a internet. No caso da rede mundial de computadores, o marco legal é o dos direitos humanos.

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