http://devir.wordpress.com/2010/10/19/sobre-o-projeto-de-lei-122-e-as-eleicoes-2010/
19 out. 2010
No ano de 2006, a deputada Iara Bernardi (filiada ao PT) propôs a
alteração da lei 7716, de 5 de janeiro de 1989. A lei existente define
que é considerado crime a discriminação de outro ser humano por conta de
motivos tais quais cor, raça, gênero sexual e religião. A proposta da
deputada Bernardi é bastante simples: adicionar o termo “orientação
sexual” à lei já existente. Ou seja: não é apenas crime discriminar
alguém por ser homem ou mulher, ou por motivos de coloração da pele, ou
por sua religião. É crime também discriminar alguém por sua orientação
sexual, seja ela homo ou heterossexual.
Aqueles que criticam o PL122 partem do pressuposto de que violência
física e/ou moral já é crime por lei, logo o projeto de alteração seria
uma redundância. Afiinal, se qualquer forma de violência já é um crime,
por que especificar “violência contra homossexuais”?
Eu mesmo já pensei assim, e estava errado. O que eu não compreendia,
na época, é que o nosso Direito tem matriz positivista e que, portanto,
todos os pingos nos is devem estar bem colocados, caso contrário teremos
manifestações cínicas, como no caso do Bradesco que, no passado,
demitiu uma funcionária ao descobri-la lésbica. O banco contratou um
advogado que declarou: “não há nada na lei que proiba uma empresa de
demitir um funcionário por conta de sua orientação sexual”. Diante de
casos como este, e de pessoas que não vêem “nada de mais” em agredir
física ou moralmente homossexuais, é que passei a considerar as
alterações propostas pelo PL122 como absolutamente necessárias.
É como a específicação clara de que racismo é crime, que vem de 1989.
Precisava dizer que racismo é crime? Não é óbvio? Humilhar um negro por
conta de sua cor de pele não é passível de processo penal? Claro que é.
Mas isso ficou melhor compreendido depois da clara especificação da
lei. As leis contra racismo não eliminaram por completo este mal da
sociedade brasileira, porém colaboraram para que determinadas coisas
cessassem de ocorrer. Eu venho de Salvador, onde passei grande parte de
minha juventude. Lembro-me bem que, antes de 1989, eu presenciava negros
serem ofendidos recorrentemente, com termos tais quais “macaco”, “preto
fedido” e outros impropérios. E isso numa cidade negra! Quem assim
procedia, saia incólume, pois ninguém fazia nada. Tentem fazer isso
agora.
No que tange aos homossexuais, o que se verifica é a contínua
agressão moral por parte de indivíduos isolados e grupos, além de
eventuais circunstâncias de agressão física meramente por conta da
sexualidade do agredido. Se isso já é crime passível de punição, deveria
ter o agravante de que se trata de preconceito por orientação sexual.
Os críticos do PL122 alegam que esta alteração é uma “ditadura gay”. Deliram. A alteração proposta por Bernardi trata de
preconceito por orientação sexual, o que envolve
também
heterossexuais que eventualmente sofram preconceito. Se um empregador
gay declarar, por exemplo, que no escritório dele só trabalham gays, e
por conta disso demitir um hetero, o hetero também terá sido vítima de
preconceito por orientação sexual.
Um dos maiores opositores ao PL122 é o pastor Silas Malafaia, que
parece não ter nenhum objetivo de vida além de atacar homossexuais,
chamando-os de doentes, pecadores e definindo o amor homossexual como
uma anormalidade.
Sabemos perfeitamente qual a posição da Biblia a
respeito da prática homossexual, e sabemos que as religiões têm o
direito de defender seus dogmas. O que espanta, no caso de Malafaia, é
que ele parece esquecer que existem tantas outras coisas descritas na
Bíblia como sendo “pecaminosas”, como usar roupas feitas com dois tipos
de tecido. Na escala dos pecados, peca tanto quem pratica atos
homossexuais quanto quem, num ato heterossexual, utiliza contraceptivos –
assim declara o Papa. Que o Papa está sendo coerente com suas crenças,
não o nego. Assim como nenhum cristão poderá negar que vivemos num
Estado Laico, e que nem todo mundo é cristão. Sendo assim, se você acha
que transar com o mesmo sexo é errado, é muito simples: não faça sexo
com alguém do mesmo sexo. Tentar interferir na vida privada alheia é, no
mínimo, muita pretensão.
O PL122 ainda não foi aprovado, e a bancada religiosa tem muito medo
dele. Alegam que, em caso de aprovação, eles não poderão mais pregar
contra a prática homossexual. Dizem que estaríamos criminalizando suas
crenças religiosas. Tal afirmação não procede, pois o o projeto veta a
discriminação
pública. Internamente, em seus
respectivos templos, os pastores podem dizer o que quiserem. Ninguém irá
rasgar a Bíblia por conta de suas afirmações acerca da
homossexualidade.
Todavia, se a pregação se der em praça pública, um pastor poderia
ser, sim, criminalizado. O que me parece justo, uma vez que praça
pública não deveria ser lugar para declamações religiosas. Para isso, os
religiosos já têm seus templos.
Mas como tudo isso se relaciona com as eleições 2010?
Vejamos a ordem dos acontecimentos:
1. Uma semana antes do primeiro turno, o pastor Silas Malafaia, que
antes apoiava Marina [claramente apenas pelo fato de ela ser
evangélica], declarou que retirava o apoio a ela e passaria a apoiar o
candidato José Serra. Segundo o pastor, as posturas pessoais dela sobre
aborto e união civil gay deveriam ser coerentes com suas convicções
religiosas. Em suma: Malafaia acusa Marina de ser laica demais, e
demonstra a que veio ao sugerir de forma explícita que o candidato ideal
deve reger o Brasil a partir de fundamentos cristãos.
2. Marina demonstra espanto diante da manifestação de Malafaia, e
declara o que várias pessoas, como eu, também pensaram: Marina
sempre foi muito clara a este respeito. Malafaia, em tese,
sempre
soube da postura de Marina. Por que só resolveu se manifestar no final
da campanha do primeiro turno, como se não soubesse de nada,
cinicamente?
3. Descubro, a partir de contatos com pessoas que trabalham
diretamente na campanha de Serra, que seu vice, Indio da Costa, procurou
pelo apoio de Malafaia. Após longas conversas, eis o apoio declarado.
4. Agora pense: José Serra também defende a união civil gay e também
defende a manutenção da legislação do aborto, que permite a interrupção
da gravidez em caso de estupro – o que contraria as crenças de Malafaia,
em que o estupro é “a priori” negado em qualquer circunstância. Neste
ponto, não há diferença alguma com Marina Silva. Qual seria, então, o
verdadeiro motivo que levou Malafaia a trocar Marina por Serra?
5.
Surge então o “boato” de que a Malafaia foi prometido um cargo
ministerial e/ou uma emissora de TV para fazer concorrência ao seu
principal rival, Edir Macedo e a Igreja Universal do Reino de Deus.
Várias pessoas perguntaram sobre isso ao candidato José Serra via
Twitter, e ele, que geralmente responde a tudo que o interessa, ignorou
supinamente tais questionamentos incessantes.
6. Desde então, Silas Malafaia passou a apoiar o candidato José Serra com toda a força, como
jamais antes
apoiou Marina. Ele declarou apoio a Marina por meses, mas não fez por
ela nem 10% do que faz agora por Serra: fala dele sem parar em seu
programa de TV; aparece no programa do candidato, pedindo voto aos fiéis
evangélicos…
Dias antes de declarar apoio a Serra, Silas Malafaia “brindou” o Rio de Janeiro com o seguinte outdoor:
Sim, é isso mesmo o que você viu: Silas Malafaia acredita que
homossexuais eliminarão a espécie humana. Ele se considera um cruzado da
humanidade, defendendo-a contra pecadores que fazem sexo
não-reprodutivo.
Você, leitor, pode alegar que Dilma também recebe apoio de Crivella e
de Edir Macedo, da IURD. Mas não poderá negar que quem começou este
movimento de busca por apoio de evangélicos foi José Serra. Os
movimentos de receptividade de Dilma a Edir Macedo vieram
em seguida
ao apoio de Malafaia a Serra. Burro o PT não é, e sabia que perderia
votos importantes se não tivesse também o seu pastor evangélico de
estimação. E se Dilma, por política, fez acordos com Macedo, ao menos
estes acordos não mudaram o fato de que o PT é e sempre foi pró-causa
gay. Enquanto ocorria o comício do PT hoje (18 de outubro) no Rio de
Janeiro, uma imensa bandeira do arco-íris tremulava em frente ao palco,
bem visível. Recado dado.
E, além disso, devo dizer que entre Silas Malafaia e Edir Macedo, o
primeiro é muito pior do que o segundo em termos de homofobia. No site
da IURD, Macedo critica a prática homossexual, declara-a “pecado”, mas
com um discurso muito mais ameno, lembrando que várias outras coisas são
“pecado”, e que apenas Deus pode julgar. Se este discurso de Macedo é
ou não sincero, ao menos é o que ele declara. Macedo parece mais
interessado em arregimentar fiéis para sua igreja a partir de um
discurso de “pentecostalismo da prosperidade”. Ao contrário de Malafaia,
que declama um constante discurso de ódio e preconceito contra os gays e
atrai seus fiéis pela retórica da demonização.
O curioso é que José Serra, enquanto pessoa, não é homofóbico. Quem o
conhece, sabe que ele é favor da união civil de homossexuais, a favor
da adoção por gays. Neste ponto, em nada difere de Dilma ou Marina, que
se manifestaram positivamente em torno dos mesmos assuntos. O problema é
que, como bem disse o presidente do PSOL em Pernambuco, Edilson Lins:
"Muito infelizmente, a candidatura de José Serra é o núcleo central onde orbitam os atores que patrocinam este perigoso retrocesso. Digo infelizmente por que José Serra não é um sujeito cuja história confunda-se com posicionamentos atrasados culturalmente. Digamos que ele pode até ser chamado de um liberal com certo grau progressista na
sua trajetória.
Mas Serra se dispôs a liderar, ou tolerar, uma cruzada medieval, que aglutina forças ultra-conservadoras, com o objetivo único de vencer essa eleição."
Sendo assim, e concordando com Edilson Lins, eu jamais poderei me
arriscar a votar em José Serra para a presidência da República,
considerando o alto risco de Silas Malafaia ser convidado para qualquer
cargo ministerial, ou mesmo ganhar uma emissora de TV todinha para ele
brincar de fazer
bullying contra gays.
Além disso, a vitória do PT leva vantagem sobre a do PSDB em outro
sentido: agora, o PT tem a maioria na câmara. O PL122 nunca teve tantas
chances de ser aprovado!
Seguem, por fim, dois vídeos instrutivos. Vale a pena assisti-los do começo ao fim.
Um é a declaração de apoio de Silas Malafaia a Serra. Antes de
declarar seu apoio, Malafaia afirma que quer ter o direito de “demitir
uma babá se descobrir que ela é lésbica, pois não quer que ela passe
esta orientação para seu filho” [como se homossexualidade fosse uma
doença transmissível]. Se ele pensa isso de uma babá, o que dirá de um
professor gay? Se uma babá é capaz de “homossexualizar” uma criança, de
acordo com o pensamento dele, professores gays serão ainda mais
perigosos.
O outro vídeo, eu não irei descrever. Aconchegue-se, abra um vinho,
um chá, uma coca cola, ou o que quer que seja, e seja bem vindo à
descoberta do imenso mal que a homofobia pode fazer a uma alma.
Vídeo 1 – Malafaia e seu apoio a Serra
http://www.youtube.com/watch?v=lcHDPtAI3uk [copie e cole em outra janela]
Vídeo 2 – A história de Anna
http://www.youtube.com/watch?v=m1C0WgjHYfo [copie e cole em outra janela]
Se mesmo depois de tudo o que eu escrevi você ainda quiser votar em
José Serra, faça-o ciente de que você poderá causar um retrocesso em
relação a tudo o que pode ser conquistado não apenas por seus amigos
homossexuais, mas também pelos direitos humanos como um todo [lembre-se:
o Projeto Nacional de Direitos Humanos é iniciativa do PT! Gostemos ou
não do partido, é um fato!]. Se quiser, assuma este risco e vá fundo,
mas você foi avisado, e caso Serra ganhe e Malafaia se torne
repentinamente uma figura de poder no Brasil, não diga que não avisei.
Se preferir mudar seu voto, como centenas de pessoas fizeram ao entender
o que está por trás da candidatura de Serra, seja bem vindo: você não é
“apenas” mais um. Você é o um que faltava para impedir este perigo!