Kamel, da Globo, e Serra durante debate eleitoral: mídia conservadora perdeu no campo democrático.
Organização que une empresários, imprensa e oposição ao governo
lembra cenário do golpe de 1964. Seu poder de propagar intrigas e más
notícias, porém, não tem sido capaz de superar a solidez e os resultados
do projeto político em vigor.
O economista Cristiano Costa foi recebido em fevereiro pelo pessoal
do Grupo A Tarde, em Salvador. A companhia de comunicação, que tem
provedor e portal na internet, agência de notícias, jornal impresso,
emissora de FM, gráfica, reuniu seus profissionais para servirem-se de
uma palestra da série “Millenium nas Redações”. Blogueiro e professor de
uma universidade capixaba chamada Fucape Business School, Costa é
também colaborador cativo do Instituto Millenium, articulador desses
eventos destinados a “aprimorar a qualidade da imprensa no Brasil”.
A base de sua explanação são seus artigos reproduzidos no site do
instituto, em que critica duramente a política econômica do governo e
ataca sem rodeios o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Em um deles,
cita o programa Minha Casa, Minha Vida como um dos responsáveis por
inflacionar o setor imobiliário. Isso num ambiente em que até os preços
de imóveis de alto padrão dispararam. As pessoas estão mais seguras no
emprego e foram comprar, a queda dos juros levou mais gente a ter acesso
a crédito, ou mais gente a tirar dinheiro de aplicações financeiras
para investir em imóveis. Há muitos fatores em jogo, mas lá vai o
programa federal destinado a famílias de baixa renda pagar o pato da
especulação.
Outras redações de jornais e revistas foram “brindadas” pelo
Millenium com palestras sobre assuntos variados, da reforma do
Judiciário à assustadora “crise econômica”. O currículo dos
palestrantes, colaboradores do instituto, explica o objetivo real das
palestras: consolidar no meio jornalístico o papel oposicionista da
mídia brasileira.
Há algum tempo os ambientes de redação eram conhecidos por ter
profissionais críticos, independentes, e o direcionamento da informação
era resultado da sintonia dos editores com os donos dos veículos. Não
era incomum a conclusão do jornal ou da revista acabar em atrito entre
repórter e superiores. Agora, os donos dos veículos preferem formar
“focas” que já cheguem às redações comprometidos com suas crenças.
Essas crenças, recheadas de interesses políticos e econômicos, vêm
sendo difundidas de maneira afinada pelos meios de comunicação reunidos
no Millenium. Resultado concreto desse trabalho pôde ser visto neste
início de ano. Três assuntos, alardeados como ameaças ao País, ocuparam
as manchetes dos grandes jornais e foram amplificados pelo rádio e pela
tevê: apagão, inflação e crise na Petrobras.
Além do noticiário parcial, analistas emitiam previsões
catastróficas. Como elas não se confirmavam, o assunto era esquecido e
logo substituído por outro. Em 8 de janeiro, o jornal O Estado de S.Paulo estampou na capa: “Governo já vê risco de racionamento de energia”. Um dia antes a colunista da Folha de S.Paulo
Eliane Cantanhêde chamava uma reunião ordinária, agendada desde
dezembro, de “reunião de emergência” do Comitê de Monitoramento do Setor
Elétrico convocada às pressas por Dilma para tratar do risco de
racionamento. Diante da constatação de que a reunião nada tinha de
extraordinária, a Folha publicou uma acanhada correção. Como de
costume, o tema foi sendo lentamente deixado de lado. O risco do
“racionamento” desapareceu.
Pularam para o “descontrole” da política econômica e a ameaça de um
novo surto inflacionário. “Especialistas” tentavam, a partir dos índices
de janeiro, projetar uma inflação futura capaz de desestabilizar a
economia. Aproveitavam para crucificar o ministro Mantega, artífice de
uma política que contraria interesses dos rentistas nacionais e
internacionais: a redução dos juros bancários está na raiz da gritaria.
Não satisfeitos, colocaram a Petrobras na roda, responsabilizando a
“incapacidade administrativa” dos dirigentes da empresa pela redução dos
dividendos pagos aos acionistas. Sem considerar que, dentro da
estratégia atual de ação da Petrobras, os recursos de parte dos
dividendos retidos passaram a contribuir para o desenvolvimento do país
na forma de novos investimentos.
Variações de uma nota só
Aparentemente isoladas, essas versões jornalísticas são, na verdade,
articuladas a partir de ideias comuns que permeiam as pautas dos
principais veículos. No site do Instituto Millenium elas estão
organizadas e publicadas de maneira clara. O Millenium diz ter como
valores “liberdade individual, propriedade privada, meritocracia, Estado
de direito, economia de mercado, democracia representativa,
responsabilidade individual, eficiência e transparência”. Faz lembrar a
ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher, que chegou a dizer
que só o indivíduo existe, a sociedade é ficção.
Fundado em 2005, o Millenium foi oficialmente lançado em abril de
2006 com o apoio de grandes empresas e entidades patronais lideradas
pela Editora Abril e pelo Grupo Gerdau. Trata-se de uma liderança
significativa, pois reúne uma empresa propagadora de ideias e valores e
outra produtora de aços, base de grande parte da economia material do
País. A elas juntam-se a locadora de veículos Localiza, a petroleira
norueguesa Statoil, a companhia de papel Suzano, o Grupo Estado e a RBS,
conglomerado de mídia que opera no sul do Brasil. A Rede Globo, como
pessoa jurídica, não aparece na lista, mas um de seus donos, João
Roberto Marinho, colabora.
Essa integração entre empresas de mídia e empresários faz do
Millenium uma organização capaz de formular e difundir programas de ação
política em larga escala, com maior capacidade de convencimento do que
muitos partidos políticos. Com a oposição partidária ao governo
enfraquecida, ocupa esse espaço com desenvoltura.
Apesar do apego declarado à democracia, alguns dos colaboradores não
escondem o desejo de combater o governo de qualquer forma. É o que está
explícito na fala de outro de seus colaboradores, o articulista Arnaldo
Jabor, quando num dos eventos promovidos pelo instituto disse: “A
questão é: como impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda
que não deveria mais existir no mundo?”
Essa articulação faz lembrar a de organismos privados como o
Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), fundado em 1959, e o
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), nascido em 1961. Ambos
uniram empresários e mídia conservadora na formulação e divulgação de
ideias que impulsionaram o golpe de 1964.
“Ipes e Ibad não eram apenas instituições que organizaram uma grande
conspiração para depor um governo legítimo. Elaboraram um projeto de
classe. O golpe foi seguido por uma série de reformas no Estado para
favorecer o grande capital”, lembra o pesquisador Damian Bezerra de
Melo, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
No cenário atual, de decadência do modelo neoliberal e de
consolidação de políticas desenvolvimentistas no Brasil, o Millenium
seria um instrumento ideológico para dar combate a esse processo
transformador. “Nos anos de 1990 ocorreu a disseminação da ideologia do
pensamento único, de que o capitalismo triunfou, o socialismo deixou de
existir como projeto político”, lembra a historiadora Carla Luciana da
Silva, da Universidade do Oeste do Paraná.
“Quando surgem experiências
concretas que podem desafiar essas ideias, aparece em sua defesa uma
organização como o Millenium
para manter vivo o ideal do pensamento
único.”
Memórias de um golpista: Lincoln Gordon com o general Castelo Branco. A CIA patrocinou a ação de 1964.
A difusão dessas ideias não é feita por meio de manifestos ou
programas partidários, como observa a pesquisadora. “É muito difícil
pegar uma revista como a Veja ou um jornal como a Folha de S.Paulo e conseguir visualizar os sujeitos que estão produzindo as ideias defendidas ali. Cria-se uma imagem do tipo ‘a’ Folha, ‘a’ Veja,
como se fossem sujeitos com vida própria. É uma forma de não deixar
claro em nome de que projeto falam, como se falassem em nome de todos.”
Contra as versões, fatos
Conhecendo as ações do instituto e seus personagens fica mais fácil
compreender como certos assuntos tornam-se destaque de uma hora para
outra. A presença nos quadros do instituto de jornalistas e
“especialistas” com acesso fácil aos grandes meios de comunicação leva
suas “notícias” rapidamente ao centro do debate nacional. E fica difícil
contra-argumentar com colaboradores do Millenium, não pela qualidade de
seus argumentos, mas pela força de persuasão dos veículos pelos quais
difundem suas ideias.
Como retrucar, com igual alcance, comentários de Carlos Alberto Sardenberg, na CBN, de Ricardo Amorim, na IstoÉ, na rádio Eldorado e no programa Manhattan Connection, da GloboNews, de José Nêumanne Pinto, no Estadão e no Jornal do SBT, de Ali Kamel, diretor de jornalismo da TV Globo, entre tantos outros?
Não é mera coincidência a preferência dos integrantes do Millenium
pela subordinação do Brasil aos grandes centros financeiros
internacionais e sua ojeriza diante das relações harmônicas entre
governos latino-americanos. Trata-se de uma tentativa de ressuscitar um
projeto político implementado durante a ditadura que só passou a ser
confrontado, ainda que parcialmente, a partir de 2003, com a posse do
governo Lula.
Mas parece não haver espaço para uma hipótese golpista, apesar do já
citado dilema de Jabor. Para a professora Tânia Almeida, da Unisinos de
São Leopoldo (RS) e diretora de relações públicas da Secretaria de
Comunicação do Rio Grande do Sul, um dos ganhos da crise política de
2005, com a questão do chamado “mensalão”, foi ter forçado análises e
estudos em busca de explicações de como o então presidente Lula
conseguiu suportar tanta notícia negativa e manter elevados índices de
aprovação.
“Não era só carisma. Desde 2003, havia uma gestão de governo em
funcionamento. Não existia somente aquilo de que os jornais e revistas
tratavam, não era só escândalo. Outra proposta política estava
acontecendo”, observa Tânia. Para a professora, os avanços sociais
alcançados não permitem crer em crise que leve a uma ruptura
institucional. “O Millenium é um agente articulador, social, político,
que pode fomentar e aquecer debates, mas não teria potencial para causar
uma crise nos moldes de 1964. O poder de influência da mídia ficou
relativizado desde 2006 em função dessa política que chega lá na ponta e
inclui quem estava fora.”
Damian Melo, da UFF, tem visão semelhante, mas com um pé atrás: “O
Millenium não possui hoje estratégia golpista. Quer emplacar seu
projeto, e isso pode ser pela via eleitoral mesmo. Muito embora nossa
experiência nos diga que é melhor ficarmos atentos.”
Colaborou Rodrigo Gomes ***
O Ibad como modelo Mauro Santayana
O Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) foi a mais
descarada forma de intervenção norte-americana no processo político
brasileiro, mas não a primeira. No governo Dutra (1946–1951), o grande
desembarque econômico norte-americano no Brasil, os ianques agiam com
desenvoltura na vida brasileira.
Nessa fase, denominada pelo historiador
Gerald K. Haines como “americanização do Brasil”, editoriais dos
grandes matutinos cariocas chegaram a ser redigidos na embaixada dos
Estados Unidos.
O Ibad nasceu da esperteza de um negocista, Ivan Hasslocher. Ele
criou a agência de publicidade Incrementadora de Vendas Promotion para
servir como operadora do sistema e levantou milhões de dólares da CIA e
de empresas norte-americanas, a fim de eleger parlamentares de direita –
já no fim do governo Juscelino, em 1959. Após a renúncia de Jânio
Quadros, em 1961, passou a atuar descaradamente.
Clandestinamente, o instituto financiou, com a cumplicidade do
deputado de extrema-direita João Mendes, a formação de sua própria
bancada de parlamentares comprometidos com sua orientação ideológica. O
embaixador norte-americano no Brasil naquele período, Lincoln Gordon,
confessou, depois, que a CIA fora a principal fonte pagadora de
Hasslocher.
Uma CPI foi instalada em 1963 para investigar o instituto, mas não
pôde ir adiante. Seus membros mais ativos – Eloy Dutra, José Aparecido
de Oliveira, João Dória, Benedito Cerqueira e Bocaiuva Cunha – foram
cassados em 1964. Outro membro ativo, Rubens Paiva, seria assassinado
pelo DOI-Codi em 1971.
Jango foi corajoso ao suspender as atividades do Ibad duas vezes, por
90 dias, até que a Justiça mandou fechar a instituição. Mas já era
tarde. Hasslocher e seus assalariados continuaram a atuar
clandestinamente, em associação com o Ipes. O Ibad tinha também em sua
folha de pagamentos jornalistas, sem falar na adesão “gratuita” dos
donos dos grandes jornais – com exceção do Última Hora.
Como o governo americano mantinha influência em todas as esferas de
poder que foram fundamentais na remoção de Fernando Lugo, desde a
Polícia Nacional até a Corte Suprema paraguaia Na véspera do julgamento do impeachment que o destituiu da presidência
do Paraguai em 22 de junho do ano passado, Fernando Lugo reuniu-se com o
embaixador norte-americano James Thessin na capital Assunção. A reunião
estava marcada havia muito tempo, bem antes da matança de Curuguaty –
uma operação policial de reintegração de posse na região de Curuguaty
que deixou 17 mortos no dia 15 de junho de 2012, e foi usada como
argumento pelo Congresso para depor Lugo uma semana depois.
Seguindo o protocolo, Thessin convidou Lugo para a recepção de
celebração ao 4 de julho, data da independência americana, a ser
realizada na embaixada, que toma um quarteirão inteiro no centro da
capital paraguaia. “Mas você está me convidando para eu ir como
presidente ou como cidadão?”, indagou Lugo. “Como presidente, é claro”,
tranquilizou-o Thessin.
Festa de 4 de julho ded 2012 celebrando a independência americana,
na embaixada em Assunção.
Lugo já não era mais o presidente do Paraguai no dia 4 de julho e não
compareceu à cerimônia, que teve direito à execução dos dois hinos
nacionais, refrescos e tira-gostos. A data marcava o fim de uma semana
de trabalho duro em relação à deposição do ex-bispo da presidência e à
ascensão do seu vice, o liberal Federico Franco, ao poder. Um trabalho
que envolveu mais do que diplomatas americanos e foi realizado
silenciosamente – os EUA só se pronunciaram sobre o Paraguai 20 dias
depois do impeachment.
Barack Obama e sua esposa Michelle recebem Federico Franco e a primeira-dama paraguaia em jantar em Nova York em outubro de 2012. Foto: Divulgação
No dia anterior à festa, 3 de julho, a missão da Organização dos
Estados Americanos (OEA) liderada pelo secretário-geral José Miguel
Insulza tinha deixado o país. Durante três dias o grupo havia se reunido
com representantes de todos os partidos políticos, da Igreja, da Corte
Suprema, com empresários, jornalistas, donos de veículos de
comunicação, lideranças indígenas, com o atual presidente Federico
Franco e seu chanceler e até com o próprio Lugo.
Insulza levou representantes “de vários grupos geográficos” para
integrar a missão, conforme descreveu em seu relatório. Nenhum, porém,
da América do Sul. O grupo que foi ao Paraguai para averiguar a crise
era composto pela embaixatriz dos EUA na OEA, Carmen Lomellin; pelo
embaixador do Canadá, Allan Culham; do Haiti, Duly Brutus; de Honduras,
Leónidas Rosa Bautista; e do México, Joel Hernández.
A missão da OEA se posicionou no sentido contrário ao Mercosul e
Unasul, que suspenderam o Paraguai por considerar que o impeachement
representava uma ruptura no jovem processo democrático paraguaio pelo
tempo exíguo concedido à defesa do presidente no julgamento – menos de
17 horas. Insulza defendeu a legitimidade do processo-relâmpago, que
estaria respaldado pela Constituição paraguaia, e minimizou as críticas
feitas pelas organizações regionais: “É natural que a situação que
ocorreu no Paraguai tenha gerado reações negativas”, escreveu em seu relatório,
“mas isso não é exatamente uma novidade no hemisfério”. Também sugeriu
que a OEA deveria aumentar sua presença no país até as eleições
presidenciais, marcadas para abril de 2013.
“Em 10 meses o Paraguai vai
ter eleito autoridades com completa legitimidade democrática”, concluiu.
No dia seguinte à publicação do informe da OEA, o governo de Barack
Obama declarou seu apoio a Federico Franco. “Não há razões para que o
Paraguai seja suspenso da OEA”, afirmou a secretária-adjunta de Estado
para as Américas, Roberta Jacobson, em uma conferência de imprensa. “O
que realmente queremos é focar no futuro”, disse. “Vejo o Paraguai como
uma forma de nos unirmos na região para apoiar a democracia paraguaia e
não como um tema que exacerbe as divisões”. “Então não foi um golpe de
Estado?” – questionou um jornalista. “Não vou responder a essa
pergunta”, retrucou, irritada, a secretária.
As sanções do Mercosul e Unasul também foram rechaçadas pela Câmara de Comércio Paraguaio-Americana (Pamcham),
entidade que reúne empresários americanos e paraguaios alinhados à
política exterior dos EUA. Antes ainda da posição oficial americana, a
Pancham qualificou como “inaceitável” a suspensão destes organistmos. O
presidente honorário da PamCham é o mesmo embaixador James Thessin.
Lugo não estava errado ao indagar o embaixador americano sobre seu
futuro quando convidado para o 4 de julho. Afinal, o apoio dos EUA é
fundamental para o futuro de qualquer governo naquele país. As
reticiências dos americanos em relação à sua presidência foram bem
descritas pela antecessora de Thessin na embaixada, Liliana Ayalde, que escreveu em telegrama enviado em 7 de dezembro de 2009, e vazado pelo Wikileaks: “Temos sido cuidadosos em expressar nosso apoio público às instituições democráticas do Paraguai – não a Lugo pessoalmente”.
Ayalde, hoje à frente da seção Caribe, América Central e Cuba do
Departamento do Estado, foi ainda mais clara ao afirmar que havia
prevenido o ex-bispo sobre os “benefícios” de manter uma relação próxima
com os EUA, “sem permitir que ele use o apoio da embaixada como um
salva-vidas”.
“Nossa influência aqui é maior do que nossas pegadas”
A influência americana sobre o Paraguai não é apenas uma questão
diplomática. Através de doações administradas pela USAID de mais de US$
100 milhões (em cinco anos) a empresas, ONGs e órgãos governamentais
dificílimos de monitorar, os americanos garantiram a proximidade com
diversas esferas de poder no país. “Atores políticos de todos os
espectros nos procuram para ouvir conselhos”, resumiu a ex-embaixadora
Ayalde no mesmo relatório confidencial. “E a nossa influência aqui é
muito maior do que as nossas pegadas”, pontuou.
O treinamento das forças de segurança paraguaias estavam entre os
principais programas financiados pela USAID. Entre 2005 e 2010, cerca de
mil militares e policiais foram treinados – a maioria em 2009, ano
seguinte à posse de Lugo – e dali saíram alguns comandantes das Forças
Armadas nomeados por Franco quando assumiu o poder.
A Polícia Nacional foi a responsável pela operação que resultou na
matança de Curuguaty. O Ministério Público, que baseou-se exclusivamente
em depoimentos de policiais para atribuir aos camponeses a culpa pelo
massacre, e a Corte Suprema, que negou dois recursos movidos pela defesa
de Lugo, também foram contemplados com programas financiados pela
USAID.
Um dos mais influentes defensores dos interesses americanos em
Assunção é Michael Eschleman, um americano cinquentão com uma longa
história no país, que dirige o Programa de Democracia da USAID. Em 1985,
ainda sob a ditadura do general Alfredo Stroessner, Eschleman foi
voluntário do Corpo da Paz (Peace Corps), uma agência governamental que
leva jovens voluntários do primeiro mundo a países pobres e já foi
acusada de infiltrar espiões.
Eschleman chegou a gerente de treinamento e diretor da Peace Corps
antes de assumir o comando das inicitaivas em prol da democracia no
Paraguai. O programa mais importante de sua gestão é o Threshold –
Umbral em espanhol –, que recebeu recursos de mais de US$ 60 milhões nos
últimos 5 anos.
Documentos obtidos
pela Pública através da Lei de Acesso à Informação dos EUA revelam que,
antes mesmo da votação do impeachment, o encarregado da USAID por zelar
pela democracia paraguaia já planejava seus passos com o novo governo:
“Comecei a fazer reuniões internas para avaliar e traçar uma estratégia
sobre a melhor maneira de manter o andamento dos programas no novo
governo”, explicou Eschleman em um email às 17h20 do fatídico 22 de
junho para a direção da Millenium Challenge Corporation (MCC), agência
financiadora ligada ao Congresso americano. Observando que “às seis
horas, Franco já deve ser presidente”, Eschleman escreveu:
“Provavelmente vai levar alguns dias para saber quem serão os novos
ministros e como podemos abordar a nova liderança para garantir não só
estabilidade nos programas, mas a habilidade para caminhar adiante”.
Mas, ressaltou, a mudança governamental significava “boas novas” para a
USAID: “Franco e a sua equipe conhecem muito bem o programa Umbral
porque trabalharam próximos a nós nos últimos anos”.
Duas horas depois o diretor da USAID enviou outro email contando que,
logo após o discurso de posse, o novo presidente nomeou novos
ministros. Mais “boas novas”: “Tanto o ministro do Interior (Carmelo
Caballero) quanto o novo Chefe da Polícia (Aldo Pastore) trabalharam
conosco no programa Umbral, e são pessoas que chamaríamos de aliados!”
Depois, sobre o ministro de Finanças, Manuel Ferreira Brusquetti, e o
chefe de Gabinete de Franco, Martín Burt, celebrou: “Conhecem e
respeitam a USAID, e trabalharam conosco no passado”.
Em outro email, enviado no dia 9 de julho, Eschleman explicou o
silêncio da missão americana durante as primeiras semanas
pós-destituição: por causa do “processo de impeachment, da troca de
administração e da atenção internacional aos eventos locais, a USAID tem
mantido um low profile”, escreveu. E acrescentou: “A embaixada
está esperando o relatório da delegação da OEA ao Conselho Permanente.
Até lá, os funcionários da USAID não participam de reuniões ou eventos
públicos com membros do governo”.
Mas, da parte do MCC, o receio de que houvesse alguma reviravolta
política já havia se dissipado. Foi assim que a diretora da MCC escreveu
para Eschleman no dia 5 de julho: “A poeira já abaixou um pouco? Nós
conversamos sobre o Paraguai aqui e não achamos que há ações para serem
tomadas em relação a preocupações de elegibilidade”.
O massacre de Curuguaty
Diretor da Usaid recebe medalha de mérito pelo apoio à polícia Paraguaia, entregue pelo comandante da época do massacre de Curuguaty. Foto de vídeo do ABC Color
No dia 22 de março de 2012, em cerimônia no Palácio Nacional, outro
diretor do programa Umbral, o americano Matthew Langhenry, recebeu uma
medalha ao mérito da Polícia Nacional Paraguaia as mãos de seu
comandante, Paulino Rojas, que durante um ano e meio trabalhou próximo à
USAID no programa Umbral.
Rojas, treinado pelo FBI
em um curso na Virgínia em 1998, colocou com cuidado a medalha no peito
do colega americano. “Doamos mais de US$ 2 milhões em equipamentos para
a polícia, mas o mais importante é que juntos reformamos a grade
curricular da academia policial, juntos reformamos o colégio de
suboficiais”, discursou Langhenry, suando de calor.
“Juntos escrevemos o primeiro manual de uso da força para a Polícia
Nacional no Paraguai”, encerrou com seu sotaque carregado. “E juntos
reformamos o regulamento disciplinar”. Veja abaixo o vídeo:
Três meses depois, Paulino Rojas daria a ordem de reintegração de
posse que levou à matança de Curuguaty – e à deposição de Lugo. Foi uma
desocupação polêmica, para dizer o mínimo, pois o terreno ocupado pelos
sem-terra não tinha título de propriedade válido, o que motivou o
Instituto de Terras do Paraguai a pedir diversas vezes a suspensão da
reintegração.
Mesmo dentro da Polícia Nacional muitos queriam adiar a ação por
temer o conflito – incluindo o chefe policial da região, Arnaldo
Sanabria, subalterno direto de Rojas, que insistiu que a ação fosse
postergada. “O chefe de Operações Especiais, Comissário Erven Lovera,
abatido, pedia aos gritos aos seus superiores que essa operação não se
realizasse”, contou à imprensa
outro policial, o Comissário Principal Carlos Núñez Agüero. Lovera foi o
primeiro policial a ser morto no conflito. Era irmão do chefe de
segurança pessoal do então presidente Fernando Lugo. Nenhum desses
temores foram informados ao ministro do Interior de Lugo, Carlos
Filizolla, pelo comandante Paulino Rojas, segundo o próprio ex-ministro.
O fato é que nas primeiras horas do dia 15 de junho 324 oficiais
cercaram 70 camponeses – o tamanho desproporcional da força tampouco foi
informado ao ministro do interior. A operação policial foi marcada pela
violência e abusos, conforme apurou a organização Plataforma de Estudio e Investigación de Conflictos Campesinos
(PEICC). Seis policiais e 11 camponeses morreram.
Dezenas de
trabalhadores rurais foram presos sumariamente apenas por estarem no
local e há relatos de torturas, suspeitas de execuções e sinais de
alteração da cena do crime. (Leia a reportagem completa aqui)
Entre os policiais do Grupo de Operações Especiais (GEO) que
encabeçaram a desocupação do terreno, pelo menos dois foram treinados
pelos Estados Unidos: em março de 2009, Cesar Horacio Medina e Nelson
Dario Zaracho Ocampos participaram de um treinamento do programa de
Assistência a Antiterrorismo do Departamento de Estado americano em
Assunção, segundo documentos vazados pelo Wikileaks.
O programa Umbral
O Umbral é o coração da estratégia americana para o Paraguai. Um estudo realizado pelo instituto paraguaio Base-IS demonstrou
que o volume de recursos destinado ao Umbral só é comparável à primeira
década da ditadura de Alfredo Stroessner – que durou 35 anos e recebeu o
apoio decisivo do governo dos EUA assim como as demais ditaduras da
região.
Financiado pela Corporação do Desafio do Milênio (MCC, em inglês) e
lançado em 2006, o programa é uma espécie de “ajuda preliminar” a países
pobres para melhorar seus índices “transparência”, “justiça” e
“liberdade econômica” antes de aceder ao grande bolo da MCC: os
programas Compactos, com verbas de US$ 100 milhões a US$ 700 milhões.
Projetos desenvolvidos com o Ministério Público, a Controladoria Geral, a
Corte Suprema, o Congresso, a Receita Federal e o Ministério das
Finanças, Indústria e Comércio receberam US$ 34,6 milhões até 2009.
Os resultados, porém, foram pífios, de acordo com uma auditoria da própria USAID, que produziu um documento
mostrando que muitos objetivos não foram atingidos e o governo de
Nicanor Duarte Frutos não estava lá muito interessado em persegui-los.
Um laboratório forense financiado pelos EUA permaneceu sem uso por dois
anos; um programa para aumentar a transparência e o monitoramento das
atividades do Congresso foi abandonado “por causa da falta de vontade
política”; o investimento nas atividades da alfândega ficou restrito à
capital Assunção, enquanto o contrabando continuava a todo vapor na
fronteira; dez dos doze barcos doados para patrulhamento fronteiriço
ficaram fora de operação; um novo sistema de carteiras de identidade e
passaportes, implementado e financiado pela USAID, acabou gerando
polêmica com a acusação de favorecimento a uma empresa americana no
processo de licitação.
Mesmo assim, o governo dos EUA assinou um novo contrato de
assistência com o Paraguai no valor de US$ 34 milhões em 2009, já sob o
governo de Fernando Lugo. Na cerimônia de lançamento do Umbral 2, a
então embaixadora Liliana Ayalde não titubeou ao declarar à imprensa
que todas as metas e objetivos da primeira fase haviam sido cumpridos, e
que a segunda fase buscava “afiançar a democracia e consolidar as
instituições do Estado paraguaio”.
Na divisão dos recursos do Umbral 2, a Polícia Nacional recebeu a
maior verba, US$ 9,4 milhões; seguida pelo Ministério Público: US$ 5,5
milhões, além dos US$ 6,2 milhões que havia recebido na primeira fase do
programa. A Corte Suprema recebeu US$ 5 milhões em ambas as fases.
Foi esse mesmo Ministério Público, na pessoa do promotor Jalil
Rachid, que sem ouvir nenhum camponês concluiu que eram eles os
responsáveis pelo massacre, encarcerando 14 sem terra e emitindo mandato
de prisão contra outros 54 – alguns nem estavam presentes durante a
reintegração de posse. A conclusão de Rachid foi respaldada pelo
Promotor Geral do Estado, Javier Díaz Veron. Em setembro, Verón também
emitiu um parecer recomendando à Suprema Corte que negasse o segundo
pedido de inconstitucionalidade feito pelos advogados de Lugo por causa
do tempo exíguo dado à defesa durante o impeachment. A Suprema Corte
rejeitou o recurso. Clique aqui para ver o documento.
Fazendo a Corte em Nova York
Ao negar o recurso, em 20 de setembro, o presidente da Corte e
relator do processo,Victor Nunez, fez uma avaliação quase surreal: “Como
se trata de um procedimento que tecnicamente não é jurisdicional, as
garantias próprias do processo judicial, embora possam ser aplicáveis,
não o são de maneira absoluta, mas parcial, com o objetivo de garantir o
devido processo e o direito de defesa do acusado”. Os advogados de Lugo
tiveram 17 horas, madrugada adentro, para preparar a sua defesa, e
apenas duas horas para defendê-lo no Congresso.
Seis meses antes, Nunez e os demais membros da Suprema Corte haviam
se reunido com o diretor da USAID para América Latina e Caribe, Mark
Feierstein, para falar sobre o programa Umbral. Feierstein declarou ao
final do encontro: “Estamos trabalhando com a Corte Suprema contra a
corrupção e para que o sistema judicial seja mais efetivo e mais
eficiente para o povo paraguaio”, afirmou. “Reconhecemos o êxito
alcançado, é um exemplo para outros países”.
Não era bem isso que dizia a embaixadora Liliana Ayalde nos despachos
enviados em 2009 ao Departamento de Estado. Na mesma época em que
destinava 2,5 milhões de dólares à Corte no programa Umbral, em um
despacho diplomático Ayalde afirmava que a Corte, “ampla e
corretamente”, era vista como corrupta, mais focada “em interesses
políticos e pessoais do que em questões legais”. E escreveu: “A
interferência política é a norma; a administração da Justiça se tornou
tão distorcida, que os cidadãos perderam a confiança na instituição”.
“O controle político da Suprema Corte é crucial para garantir
impunidade dos crimes cometidos por políticos hábeis. Ter amigos na
Suprema Corte é ouro puro”,escreveu no despacho,
em 25 de agosto de 2009. “A presidência e vice-presidência da Corte
são fundamentais para garantir o controle político, e os Colorados (oposição a Lugo) controlam esses cargos desde 2004. Nos últimos cinco anos, também passaram a controlar a Câmara Constitucional da Corte”.
Três anos antes do julgamento político de Lugo, ela escreveu: “Esta
câmara é famosa por tomar decisões controversas e arbitrárias. (….) Para
os aliados de Lugo, obter controle da câmara é fundamental para
prevenir um possível impeachment”.
Mas não era Lugo que detinha o controle da Corte, como mostraram os
fatos. Um mês depois de emitir seu voto referendando a destituição, o
presidente da Corte, Victor Nunez, participou da primeira comitiva
internacional do novo presidente Federico Franco – que se dirigiu à
Assembleia Geral da ONU, em Nova York.
Foi a estreia de Franco no cenário internacional, na qual ele
participou, bem como todos os chefes de Estado, de um jantar oficial
promovido pelo anfitrião Barack Obama no pomposo hotel Waldorf Astoria.
Na ocasião, Franco teve oportunidade de tirar uma foto ao lado do
mandatário americano, junto com sua esposa e a primeira-dama Michelle
Obama, elegantemente apropriados para a gala da noite. Desde então – se
passaram já quatro meses – a mesma foto orgulhosamente estampa a
abertura do site oficial da presidência do Paraguai.
A terceirização da USAID
Presente há cinquenta anos no Paraguai, a USAID sempre foi um forte
braço da política norteamericana para o país. Um estudo detalhado sobre a
sua atuação feito pelo Instituto Base Investigações Sociales (Base-IS),
revela que a presença da USAID cresceu progressivamente no país a
partir de 2008, quando Lugo foi eleito. “Em termos de fundos, houve um
aumento importante na assistência norteamericana para o Paraguai: de US$
17,25 milhões em 2007 para US$ 36,2 milhões em 2010”, diz o estudo. (clique aqui para ler)
O foco da assistência dos EUA são os programas de “democracia”, que
incidem diretamente sobre a administração pública; a USAID é responsável
pelo financiamento de 32,3% deste tipo de projeto, mas fica bem atrás
de outros países em termos de assistência à saúde, por exemplo.
Porém, os fundos de assistência distribuíudos a uma infinidade de
ONGs e órgãos governamentias são difíceis de monitorar, como descobriram
os pesquisadores do Base-IS. “É complicado conseguir fechar os números
reais, porque os fundos provem de diferentes fontes, inclusive dentro
das USAID, a atores diversos, alguns deles diretamente ao governo ou
canalizados por ONGs internacionais”, explica Marielle Palau, que
coordenou o estudo.
O quadro se complica com a tendência à privatização da assistência
internacional. Desde o ano de 2000, os recursos da USAID repassados
diretamente para empresas privadas americanas a título de consultoria
vêm crescendo, e são elas que, na prática, comandam a distribuição do
dinheiro em cada país. Somente no ano de 2010, 40 empresas faturaram
mais de US$ 6,7 bilhões em contratos com a USAID – uma enorme fatia dos
recursos da agência para aquele ano.
A semelhança com a privatização da segurança militar americana não é
mera coincidência. Assim como as empresas privadas de segurança
presentes no Iraque e no Afeganistão, as contratadas pela USAID
“terceirizam” a assistência internacional, gerenciando de maneira
discreta a transferência da verba americana. Pouco conhecidas, sem
vínculos fortes nos países em que atuam, elas contribuem para tornar os
programas da USAID ainda menos transparentes.
Metade da verba do Programa Umbral no Paraguai – 30 milhões de dólares – foi repassada à empresa
Casals & Associates. Mas os ministros de Lugo cujas pastas
trabalhavam com o Umbral – Interior, Saúde, Relações Internacionais –
disseram à Pública que não tinham conhecimento sobre a atuação da
Casals. Nem o próprio Lugo.
Os Curiosos Contratos da Casals
Fundada em 1986 por Beatriz Casals, uma cubana com laços na
comunidade dissidente em Miami, Florida, a Casals tem mais de 300
empregados e seus contratos com o governo americano chegaram a atingir
3 bilhões de dólares. Beatriz foi presidente da Associação para o
Estudo da Economia Cubana, na Universidade do Texas, e é atualmente
diretora do Centro para uma Cuba Livre, uma organização lobista
anti-Fidel em Washington. Entre os clientes da Casals estão o
Departamento de Defesa, principalmente o exército e a marinha, o
Departamento de Homeland Security, a agência Antidrogas americana (DEA),
o Bureau for International Narcotics and Law Enforcement Affairs (INL),
do Departamento de Estado; e a TV e Radio Marti, que transmitem de
Miami propaganda anti-comunista para a população cubana.
Em 2010, a Casals foi adquirida pela gigante contratista militar
Dyncorp – presente em todas as guerras travadas pelos EUA, incluindo o
combate às FARC na Colômbia – e passou definitivamente à esfera de
influência dos militares. Mais de 65% dos funcionários da Dyncorp são
militares veteranos. O CEO da empresa, William L. Ballhaus declarou a
respeito da compra da Casals: “A aquisição nos ajudará a atingir a meta
de criar valor através de crescimento contínuo e diversificação nos
negócios, e se alinha à ênfase do governo Obama na aplicação do ‘poder
astuto’ (smart power) aos desafios globais”.
Segundo o site da empresa,
a Casals mantém escritórios em locais tão diversos quanto Armênia, El
Salvador, Mexico e Uganda, sempre atrelados a contratos da USAID. Desde
2008, tem um contrato no valor de US$ 1,5 bilhão com o Escritório de
Iniciativas de Transição (OTI) da agência, para “apoiar os objetivos da
política externa americana ajudando parceiros locais a avançar na paz e
na democracia em países prioritários, em crise”. O site destaca:
“Os dispositivos do contrato permitem que o OTI rapidamente estabeleça
escritórios, contrate funcionários e desembolse pequenas doações para
grupos locais para resolver necessidades de transição e estabilização”.
O OTI está envolvido em diversas iniciativas
polêmicas na América do Sul. Na Bolívia, através da Casals, distribuiu
US$ 13,3 milhões para ONGs que trabalhavam em projetos de
“descentralização” e “autonomias regionais”, fortalecendo os governos
estaduais que se opunham ao governo de Evo Morales. Na Venezuela,
através da Development Alternatives Inc., outra contratista, o OTI
transferiu US$ 95,7 milhões entre 2002 e 2010, distribuídos à oposição a
Chavéz através de pequenas doações. A mesma empresa enviou a Cuba seu
funcionário Alan Gross, onde foi preso por distribuir celulares e
equipamentos com comunicações por satélite à dissidência cubana. Por
esses episódios, os países que formam a Aliança Bolivariana para as
Américas (ALBA) – Bolivia, Cuba, Ecuador, Dominica, Nicaragua e
Venezuela - emitiram um comunicado
no dia 22 de junho de 2012, dia da deposição de Lugo, convidando a
Usaid a se retirar dos seus paises pela “ingerência aberta” ao financiar
grupos e projectos “dirigidos a desestabilizar os legítimos governos
que não são afins aos interesses dos Estados Unidos”.
Geralmente discreta, a atuação da Casals chegou às manchetes da imprensa paraguaia em abril de 2009, quando o diário ABC Color obteve cópias
de documentos que mostravam divergências a respeito da licitação para
implantar um sistema nacional de emissão de cédulas de identidade e
passaportes. Responsável pela licitação da empresa que desenvolveria o
sistema – e que passaria a ter todos os dados da população paraguaia – a
Casals descartou todas as concorrentes paraguaias, escolhendo a
americana, L-1 Identity Solutions, a única com os 10 anos de experiência
constantes exigidos na licitação.
Memorando para responder à acusação de favorecimento de empresa americana para sistema de passaportes
A pedido do governo paraguaio, a USAID efetuou então uma auditoria para verificar se houve favorecimento da empresa americana. A auditoria
chegou a uma inusitada conclusão: não só a Usaid não havia violado
nenhuma lei – pois a licitação era regida por leis americanas e não
paraguaias – como seis funcionários do governo paraguaio foram acusados
de “comportamento inapropriado” e retirados do programa posteriormente.
Depois de anos atuando longe do escrutínio público, a Casals
simplesmente desapareceu do Paraguai em julho de 2012, após o fim do
projeto Umbral – e um mês após a destituição de Lugo. Contratada
diretamente pelo governo americano, deixou poucos registros da sua
passagem: apenas uma menção aqui ou ali em algum relatório da USAID ou
em genéricos press releases.
A Pública esteve em agosto no belo casarão alugado pela Casals na rua
Bernardino Caballero, 168, em Assunção. Não encontrou ninguém. No ponto
de táxi que fica do outro lado da rua, um motorista confirmou que ali
funcionava uma ONG, “que trabalhava para a embaixada”, mas havia “se
acabado”. Através das indicações do taxista, a Pública conseguiu
conversar com uma ex-funcionária, diante do portão da sua casa, a
professora Raquel Gonzalez, que fora contratada temporariamente como
consultora. “Mudou-se o governo, então não tínhamos muito com quem
trabalhar”, explicou. E os diretores da Casals? “Se foram. Agora cada um
foi para o seu país”.
A elite não aguenta mais seis anos de governos trabalhistas. Dois da
Dilma e mais quatro (da Dilma ou do Lula). Só o Golpe ! E é por isso que
o Lula vai às ruas.
“No ano que vem, para
alegria de muitos e tristeza de poucos, voltarei a andar por este país.
Vou andar pelo Brasil porque temos ainda muita coisa para fazer, temos
de ajudar a presidenta Dilma e trabalhar com os setores progressistas da
sociedade”, declarou o ex-presidente.
(Foi) durante ato político de posse do novo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques.
Navalha
Na primeira tentativa de Golpe de Estado com o
mensalão, em 2005, Lula também avisou que, se o Golpe tentasse subir a
rampa, ele voltava para o ABC e enfrentava o Golpe.
Os historialistas pátrios, esses que dizem que o Jango caiu porque
gostava de pernas – de coristas e de cavalos – poderão argumentar que
Lula será enforcado como Jango, porque “o esquema” não vai funcionar.
No caso de Jango, fracassou o “esquema militar”.
No de Lula, fracassará o “esquema sindical”.
Tem uma pequena diferença.
Jango não nasceu na Vila Euclides.
Jango não tinha acabado de realizar um Governo do tipo Nunca Dantes, re-eleito duas vezes.
O sindicalismo de hoje é diferente, também.
O Rafael, o Sergio e o Vagner não são pelegos.
Têm muitos anos de experiência na batalha política, num ambiente de
competição com as forças do insigne Paulinho da Força, cerrista
explícito.
Eles seguem a tradição, ali no ABC, do próprio Lula, do Feijóo, Marinho, por exemplo.
O Celso de Mello não sabe onde se meteu.
O Luis Fux não sabe onde se meteu.
(O Gurgel já, já vai pra casa, com o Collor atrás dele.
Será depositado na nota de pé de página a que tem direito na História
Sinistra do Ministério Público, que transformou numa excrescência.)
Não foi por acaso de o Nunca Dantes anunciou no seu berço político que ia voltar à rua.
No Sindicato dos Metalúrgicos.
Lula vai defender na rua não apenas o seu legado.
Mas, um de seus legados, o Governo Dilma.
E vai defender a ordem constitucional, que o Supremo se prepara para rasgar de novo, com a decretação da prisão do José Dirceu.
A Casa Grande não tem candidato.
Não há de ser o Aécio Never, pífio nas pequisas pré-eleitorais, e pendurado nas denúncias repetidas de corrupção – como na Lista de Furnas.
Só pode ser o “elite da elite”, o cérebro e centro da Privataria Tucana.
A elite só tem uma saída.
O Golpe.
A Globo sabe disso: ela não ganha eleição.
Só serve para o Golpe.
O Golpe no Supremo.
Em que ela e o Ataulfo Merval de Paiva se tornaram o 12º Voto.
No Supremo, a Globo suspende o Orçamento de 2012.
No Supremo, a elite pretende cassar os direitos políticos do Lula, o “safo”.
Decretar o impeachment da Dilma.
E realizar o sonho que os mexicanos acabaram de materializar, com a eleição de Peña Nieto: privatizar a PEMEX.
Já já um Daniel Dantas da vida entra com um HC Canguru no Supremo e derruba a obra magna do Nunca Dantes – o pré-sal é nosso !
Não se iluda, amigo navegante.
A elite não aguenta mais seis anos de governos trabalhistas.
Dois da Dilma e mais quatro (da Dilma ou do Lula).
Só o Golpe !
E é por isso que o Lula vai para as ruas.
Já que o PT amarela, vai ele.
Esse é o significado do ato político de São Bernardo.
Clique aqui para ver fotos das recentes manifestações do #mexeucomLulamexeucomigo.
O presidente da Câmara dos
Deputados, Marco Maia (PT-RS), reagiu ontem às declarações do ministro
do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, e classificou como uma
tentativa de “intimidação” a afirmação de que ele poderia cometer crime
de prevaricação se não cumprisse a determinação da Corte de declarar a
perda do mandato de parlamentares condenados no processo do mensalão.
“Isso
é uma tentativa de tentar intimidar a Câmara, mas ninguém intimida o
Parlamento brasileiro”, disse. “Quem faz a lei é o Parlamento, quem
escolhe ministros (do Supremo) é o Senado e quem define regras de como
deve funcionar o poder público é o Parlamento. Então, não cabe
intimidação, cabe a harmonia e o respeito à prerrogativa dos poderes.”
O Conversa Afiada já sugeriu que Maia resistirá.
Como ?
Ao dar posse ao Genoíno.
Se o Congresso amarelar será pelas mãos do peemedebista Henrique Alves, sucessor (combinado) de Maia.
Caberá a ele cumprir a “Constituição” do Ministro Celso de Mello,
que, para abrigar seu caráter, reescreveu o artigo 55 da Constituição,
que diz:
Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será
decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto
secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de
partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla
defesa”.
Agora, no Estadão desta quarta-feira, ele se saiu com essa: “A Câmara deve se manifestar sobre o cumprimento das leis, da Constituição. Não é (manifestação) sobre o mérito.”
O que quer dizer isso ?
Que o Henrique Alves vai ter carta branca para cassar o Genoíno ?
Pergunta: o amigo navegante tem notícia de, alguma vez na História,
um ministro do Supremo ameaçar o Presidente da Câmara de cadeia ?
Como sabem todos os operadores do Direito, a Justiça brasileira está
entre as mais lentas do planeta. O exagerado tempo de duração processual
poderá evitar, por perda de objeto, cassações de mandatos
parlamentares. Assim se esvaziará um iminente dissenso entre o
Judiciário e o Legislativo. Com efeito, dificilmente acontecerão as
perdas dos mandatos dos três deputados condenados no processo apelidado
de “mensalão” antes do término da presente legislatura. A perda de
mandato parlamentar, segundo a Constituição, só pode ocorrer depois do
trânsito em julgado do acórdão (sentença), ou seja, quando esgotada a
via recursal. E isso demora muito, bem mais do que a metade do tempo que
resta da legislatura em curso.
João Paulo Cunha, deputado federal e presidente da Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara, foi condenado por cinco votos pelo
crime de lavagem de dinheiro. Por isso, e a impedir o trânsito em
julgado, caberá o recurso de embargos infringentes previsto no Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal (STF). A tramitação do recurso será
lenta, haverá um novo relator sorteado e participará, além do
recém-empossado Teori Zavascki, o ministro que ocupará a cadeira do
aposentado Carlos Ayres Britto.
Os condenados Valdemar Costa Neto e Pedro Henry só poderão usar do
recurso de embargos de declaração, mais simples e limitado a corrigir
contradições, omissões e erros materiais do acórdão (sentença). Para se
ter uma ideia de tempo, o deputado Natan Donadon, que não é réu no
“mensalão”, está condenado à pena de 13 anos, 4 meses e 10 dias em
regime inicial fechado. O acórdão foi publicado em 2010, mas não
transitou em julgado porque pendentes de julgamento os embargos de
declaração, só julgados na quinta-feira 13.
Quanto a José Borba, prefeito de Jandaia do Sul
condenado por corrupção no “mensalão”, a questão da perda de mandato
eletivo deu-se no STF e por unanimidade. A polêmica no Supremo
referiu-se apenas a mandato parlamentar. A regra especial contida no
artigo 55, VI, parágrafo 2º da Constituição, contempla deputados e
senadores. Assim mesmo, Borba poderá interpor embargos, que jamais serão
apreciados antes do fim do seu mandato, em 1º de janeiro de 2013.
Por outro lado e como a condenação definitiva representa condição
necessária à perda de mandato, nada impedirá que o suplente José Genoino
assuma, em janeiro, a cadeira vaga em razão da posse do deputado
federal Carlinhos Almeida no cargo de prefeito do município paulista de
São José dos Campos.
Genoino continua presumidamente inocente e como
teve quatro votos absolutórios pelo crime de formação de quadrilha terá
como cumprir, em face da longa tramitação dos embargos infringentes, os
dois anos de mandato de deputado que lhe restarão.
Com as colocações acima não se quer dizer que nada será mudado. Ao
contrário, a decisão do STF preocupa e já há quem fale em ditadura do
Judiciário. Além de desprezar o sistema de freios e contrapesos,
desconsiderou-se uma regra específica de proteção ao mandato popular.
Pela Constituição, hierarquicamente acima do Código Penal, apenas a
Câmara, no caso de -deputado com condenação criminal definitiva, pode
cassar mandato popular, por votação secreta, maioria absoluta e tudo
antecedido de ampla defesa. O mesmo se dá com relação ao Senado.
Sob o argumento da “inconsequência”, os ministros do STF devem, por 5
votos contra 4, mudar o pacífico entendimento jurisprudencial. Celso de
Mello ainda não votou devido à imprevista internação para tratar uma
pneumonia, mas tende a seguir o voto do relator. Mais ainda: reduziram o
alcance da norma constitucional às condenações por crimes de menor
potencial ofensivo e culposos. Ora, não se trata de presumir que a
Câmara não vai cassar os mandatos dos deputados condenados no
“mensalão”. O preocupante é o STF se colocar como guardião abusivo da
Constituição e invadir atribuição exclusiva do Congresso.
A Constituição, por evidente, não tem regras inúteis
e soube separar o jurisdicional do político. E está claro que o
constituinte, com base na doutrina estrangeira, no sistema de freios e
contrapesos, reservou aos eleitos diretamente pelo povo a garantia da
cassação de mandato pelos seus pares.
No momento, o presidente da Câmara, Marco Maia, protesta e anuncia
que não vai engolir a decisão do STF. Entre os operadores do Direito
fala-se que supremas vaidades não aceitam que a Câmara possa, em
cumprimento ao princípio da ampla defesa, colher testemunhos e reabrir
discussões sobre o “mensalão”.
Embora seja difícil de acontecer, o Congresso Nacional poderia dar o
troco por anistia. Por exemplo, considerar crime político (caixa 2) o
perpetrado pelos réus deputados e aqueles do chamado núcleo político,
liderados por José Dirceu. Se aprovada a anistia pelo Congresso, estaria
extinta a punibilidade. E a anistia apaga o crime e as demais
consequências de natureza penal, ou seja, as perdas de mandato.
(HD)- Cúrzio Malaparte escreveu, em 1931, seu livro
político mais importante, Técnica del
colpo di Stato: envenenamento da opinião pública, organização de quadros,
atos de provocação, terrorismo e intimidação, e, por fim, a conquista do poder. Malaparte escreveu sua obra quando
os Estados Unidos ainda não haviam aprimorado os seus serviços especiais, como
o FBI - fundado sete anos antes - nem criado a CIA, em 1947. De lá para cá, as coisas mudaram, e
muito. Já há, no Brasil, elementos para a redação de um atualizado Manual do Golpe.
Quando o golpe parte de quem ocupa o governo,
o rito é diferente de quando o golpe se desfecha contra o governo. Nos dois
casos, a ação liberticida é sempre justificada
como legítima defesa: contra um governo arbitrário (ou corrupto, como é mais freqüente), ou do governo contra os inimigos da pátria. Em nosso caso, e de
nossos vizinhos, todos os golpes contra o governo associaram as denúncias de
ligações externas (com os países comunistas)
às de corrupção interna.
Desde a destituição de Getúlio, em 29 de outubro de
1945, todos os golpes, no Brasil, foram orientados pelos norte-americanos, e
contaram com a participação ativa de grandes jornais e emissoras de rádio. A
partir da renúncia de Jânio, em 1961, a televisão passou também a ser usada.
Para desfechá-los, sempre se valeram das forças armadas.
Foi assim quando Vargas já havia
convocado as eleições de 2 de dezembro de 1945 para uma assembléia nacional
constituinte e a sua própria sucessão. Vargas, como se sabe, apoiou a
candidatura do marechal Dutra, do PSD, contra Eduardo Gomes, da UDN. Mesmo
deposto, Vargas foi o maior vitorioso daquele pleito.
Em 1954, eleito pelo povo Vargas venceu-os, ao
matar-se. Não obstante isso, uma vez eleito Juscelino, eles voltaram à carga, a
fim de lhe impedir a posse. A posição de
uma parte ponderável das Forças Armadas, sob o comando do general Lott, liquidou-os
com o contragolpe fulminante. Em 1964, contra Jango, foram vitoriosos.
A penetração das ONGs no Norte do
Brasil, e a campanha de coleta de assinaturas entre a população dos 7 Grandes -
orientada, também, pelo Departamento de Estado, que financiava muitas delas –
para que a Amazônia fosse internacionalizada, reacenderam os brios
nacionalistas das Forças Armadas. Assim, os norte-americanos decidiram não mais
fomentar os golpes de estado cooptando os militares, porque eles passaram a ser
inconfiáveis para eles, e não só no Brasil.
Washington optou hoje pelos golpes brancos, com apoio no
Parlamento e no Poder Judiciário, como ocorreu em Honduras e no Paraguai. Articula-se a mesma técnica no Brasil. Nesse
processo, a crise institucional que fomentam, entre o Supremo e o Congresso, poderá
servir a seu objetivo – se os democratas dos Três Poderes se omitirem e os
patriotas capitularem.