Em
uma consulta rápida à enciclopédia digital Wikipedia
aprendemos que o Index Librorum Prohibitorum foi um instrumento criado
pela Inquisição da Igreja Católica com o objetivo de resguardar a ortodoxia
teológica. Trata-se de uma relação de livros cuja leitura estava proibida
para os católicos por serem considerados imorais, porque continham erros
teológicos, ou ainda por ter um caráter herético ou por apresentar deficiência
moral, sexualidade explícita ou incorreção política, entre outros motivos.
Em resumo, era uma forma de censura, cuja origem deve ser analisada no contexto
do movimento da Contra Reforma. Observemos o que a Wikipedia fala a respeito
do Index:
“Não é surpreendente que a igreja católica romana tenha
praticado a censura. Membros
de outras religiões
também exerceram ou continuam a exercer a censura. O que é
notável é que obras de cientistas, filósofos, enciclopedistas
ou pensadores como Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, Nicolau
Maquiavel, Erasmo de Roterdão, Baruch de Espinosa, John Locke,
Berkeley,
Denis
Diderot, Blaise Pascal, Thomas
Hobbes, René Descartes, Rousseau, Montesquieu,
David
Hume ou Immanuel
Kant tenham pertencido a esta lista. Alguns notáveis romancistas ou poetas incluídos na
lista são: Laurence Sterne, Heinrich
Heine, John Milton, Alexandre Dumas (pai e filho), Voltaire, Jonathan
Swift, Daniel Defoe, Vitor Hugo,
Emile
Zola, Stendhal,
Gustave
Flaubert, Anatole France, Honoré de Balzac, Jean-Paul
Sartre, ou o sexologista holandês Theodor Hendrik van de Velde, autor do
manual sexual "The Perfect Marriage”.”
Apesar
do Index Librorum Prohibitorum ter sido abolido em 1966 pelo Papa
Paulo VI e de a enciclopédia digital dizer que “outras religiões (...)
continuam a exercer a censura”, o que levaria à idéia de que os católicos
estariam livres desse tipo de tutela, o Index ainda existe para pelo menos
uma parte deles, aqueles que pertencem ao Opus Dei [1] . Para os membros dessa seita, os livros são
classificados de nível 1 (obra sem inconveniente) ao nível 6 (proibição
moral geral). Assim, acreditamos que o Index do Opus Dei acaba de ganhar
uma nova obra. Trata-se do livro Opus Dei, a falsa Obra de Deus – Alerta
às famílias católicas, de Elisabeth Castejón Lattaro Silberstein (sem
editora, 2005, 336p. [2] ).
Quem
teve a possibilidade de conhecer um pouco da história da autora por meio
de outras publicações, sabe que Elisabeth Silberstein tem um filho que permanece,
até o momento, como membro numerário [3] do Opus Dei. E sabe também da
luta que ela trava para libertá-lo. Mas quem, diante desse histórico, esperava
que o livro fosse um emaranhado de lamentos de mãe pode ter uma surpresa
durante a leitura da obra. Pois Elisabeth Silberstein pouco fala sobre o
seu drama pessoal e o seu trabalho apresenta-se como um valioso instrumento
para a compreensão desse fenômeno enquistado na Igreja Católica.
Ela
procurou conhecer o que havia afastado seu filho da família e os motivos
que levam uma pessoa bem formada e inteligente a abrir mão do direito de
autonomia de maneira radical, tornando-se inclusive incapaz de avaliar a
realidade sem a mediação da doutrina nele interiorizada. É o material coletado
em suas pesquisas que compõe a obra agora apresentada à nossa apreciação.
Parte desse material é tradução de sites como, por exemplo, o Odan (Opus
Dei Awareness Network), ou compilação de material publicado no site
opuslivre (http://www.opuslivre.org).
Elisabeth Silberstein não esconde isso. Ao contrário, é extremamente generosa,
pois partilha conosco aquilo que descobriu fornecendo uma longa lista de
endereços a serem visitados por todos aqueles que, quaisquer que sejam os
seus motivos, desejem ou precisem pesquisar o assunto em questão.
O livro Opus Dei, a falsa Obra de Deus –
Alerta às famílias católicas é diferente do livro Opus Dei – Os Bastidores.
Enquanto Bastidores tem a sua tônica nos depoimentos de ex-membros dessa
prelazia da Igreja Católica e com eles constrói a análise do modus operandi
dessa instituição, o livro Opus Dei, a falsa Obra de Deus – Alerta às famílias
católicas é um trabalho de outra natureza: ele está mais centrado na organização
da instituição, ainda que apresente vários depoimentos.
A
própria maneira como o livro nasceu, isto é, do esforço de uma pessoa comum
em conhecer um organismo que tem no sigilo uma de suas características mais
destacadas, marca o caráter da obra, que repousa na pesquisa, na compilação
e na organização de documentos disponíveis, mas que até então estavam dispersos.
Ela apresenta um cuidadoso recorte do Opus Dei enquanto um corpo mais ou
menos autônomo em relação a Roma e de suas relações com a Igreja Católica,
com os governos, com a economia e com instituições educacionais. Ao fazer
isso, demonstra de maneira cabal um dos objetivos dessa organização: o de
se infiltrar em todas as instâncias da sociedade para nelas exercer a sua
influência. E, como o próprio título diz, seu objetivo é alertar as famílias
para o modo insidioso com que o Opus Dei nelas se infiltra para depois levar
os seus filhos.
Consideramos extremamente interessante o recurso de colocar
um glossário, bastante alentado, logo no início da obra. Isso facilita sobremaneira
o acesso dos “não iniciados” aos textos, pois, como acontece em qualquer
sociedade fechada, os membros do Opus Dei utilizam um vocabulário que lhes
é próprio e que mistura gírias correntes apenas entre eles com expressões
em latim. Além disso, o glossário explica abreviações tais como AFESU, OSUC,
etc., que correspondem aos nomes de entidades ou organizações pertencentes
(ou "ligadas") ao Opus Dei, que são freqüentes em textos sobre
esse fenômeno católico e que atrapalham muito o leitor que pela primeira
vez toma contato com eles.
Para
nós, os pontos altos do livro residem nas recomendações feitas às famílias
quando notam que o Opus Dei cooptou um de seus filhos; na descrição das
entidades vinculadas ao Opus Dei; na lista dos endereços do Opus Dei no
Brasil (que ela reconhece não estar completa, por motivos óbvios) e, principalmente,
na descrição do escandaloso processo de canonização do fundador do Opus
Dei, Monsenhor Josemaria Escrivá de Balaguer, a quem Elisabeth Silberstein
dedica todo um
capítulo (Capítulo 28). Acreditamos que a leitura desse capítulo é fundamental
para a compreensão do silêncio da Igreja Católica diante das denúncias de
abusos cometidos por sua prelazia que, em última instância, responde por
seus atos apenas diante do Papa.
Outra
virtude a destacar é a análise que a autora fornece do papel desempenhado
pelas mulheres no Opus Dei. Ela é muito feliz na tarefa de destacar o caráter
misógino da organização e a visão atrasada que essa tem em relação à figura
da mulher tanto em seus quadros quanto no mundo atual. A conclusão a que
chegamos é que, devido a esse caráter misógino, o tipo de vida preconizado
e o sistema de dominação exercido pelo Opus Dei é muito pior para as mulheres
do que para os homens. O que não o impede de exercer uma devastação na personalidade
de membros de ambos os sexos.
Acreditamos
que a leitura desse livro seja extremamente útil para as famílias, não somente
as católicas, pois também sabemos (por meio do site opuslivre) que o Opus
Dei pode atacar qualquer um, católico ou não. Uma vez que o Opus Dei, ao
se aproximar daqueles que deseja cooptar (principalmente adolescentes mal
saídos da infância), nunca se apresenta como tal, nem explica os seus verdadeiros
objetivos e as suas práticas reais, a publicação de nomes e endereços é
de alta valia, pois os pais têm agora a possibilidade de saber que o lugar
que seus filhos estão freqüentando não é somente um clubinho, ou uma simples
aula de catecismo, ou ainda aulas descomprometidas de reforço escolar mas,
principalmente, um centro de recrutamento de jovens para uma entidade católica
extremamente reacionária. Da mesma forma, os pais passam a ter a possibilidade
de avaliar a verdadeira natureza de determinados colégios que se apresentam
como católicos, mas que, na verdade, são muito mais do que isso: são colégios
católicos voltados para a formatação de crianças para que, futuramente,
venham a se tornar membros do Opus Dei.
O conhecimento é, seguramente, o instrumento
mais eficaz no combate à doutrinação. Nesse sentido, o acesso irrestrito aos
livros é o antídoto adequado para qualquer tipo de fanatismo, seja ele político,
seja religioso. Seguindo esse raciocínio, compreendemos a razão pela qual o
Opus Dei ainda possui um Index e exerce um controle rígido sobre o tipo de publicação
com o qual os seus membros podem ter contato (inclusive sobre o material disponível
na Internet), publicações essas que poderiam revelar a sua verdadeira natureza.
A leitura livre de filósofos, poetas, ensaístas, o contato com sites da Internet
onde ex-membros relatam as suas experiências, no mais das vezes dolorosas, poderia
ter o dom de desmascarar os fundamentos dessa seita, de desvelar a realidade
de um mundo que deveria ser avaliado como ele realmente é, e não sob o viés
tacanho do Opus Dei, de mostrar outras opiniões que, verdadeiras ou falsas,
devem ser conhecidas, de propiciar a gênese do pensamento independente, inteligente
e criativo. Ao negar essa possibilidade, o Opus Dei considera seus membros como
eternas crianças, incapazes de decidir, por si mesmas, o que vem a ser o Bem
e o Mal. Essa é, de certa forma, uma das mensagens do livro Opus Dei, a falsa
Obra de Deus – Alerta às famílias católicas. E, diante disso, saudamos Elisabeth
Silberstein por, nesse momento, estar na prestigiosa companhia de Kant, Hume,
Descartes, Montesquieu, Swift, Zola e outros.
[1] Sobre a existência de um Index para os membros do Opus
Dei, conferir Ferreira, Lauand e Fernandes da Silva, Opus Dei – Os Bastidores,
Campinas: Verus Editora, 2005, p.37, 82-83, 116.
[2] Distribuído pela DPL e disponível em algumas grandes
redes de livrarias, tais como a Fnac, Laselva, Siciliano, Saraiva, Nobel,
etc.
[3] O numerário é um membro em tempo
integral que, abandonando a sua família, passa a morar em um centro do
Opus Dei. Ele dedica todo o seu tempo, o seu dinheiro e os seus esforços
à obra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário