Publicado em 08/04/2011
conversa afiada
O delegado Zamprogna pegou Dantas com a mão na botija da BrOi
Como se sabe, a revista Época e o “notável” repórter Diego Escosteguy
fizeram uma leitura caolha do relatório da Polícia Federal e decidiram
derrubar o presidente Lula no momento em que ele é “inderrubável”, já
que se tornou Doutor Honoris Causa.
Este ansioso e atento
blogueiro percebeu, porém, que apesar do esforço sobre-humano da Época e
do dito “repórter”, a própria Época incrimou Dantas –
clique aqui para ler.
Agora,
a infatigável equipe da Carta Capítal teve acesso à íntegra do
relatório do delegado Zamprogna, onde se conclui o seguinte:
1.
Não há ali nada que demonstre que houve um mensalão e portanto não há
como derrubar o “inderrubável”, aqui conhecido como o Nunca Dantes.
2. O delegado Zamprogna, na verdade, pegou Dantas com a mão na botija da BrOi.
Acompanhe o
trabalho profissional e irretocável da equipe de Mino Carta, Sérgio Lirio e do repórter Leandro Fortes:
A verdade sobre o relatório da PF
Editorial: Um desafio aos “imparciais”
Desde a renúncia de Fernando
Collor para escapar do impeachment em 1992, quase todo repórter
brasileiro se apresenta como um Bob Woodward ou um Carl Bernstein, a
célebre dupla de jornalistas do Washington Post que desvendou o
escândalo da invasão do comitê nacional do Partido Democrata no prédio
Watergate. Em geral falta cultura, talento e coragem aos pares nacionais
para tanto, assim como escasseiam inúmeros dos princípios basilares da
atividade aos empreendimentos jornalísticos que os empregam. Apego à
verdade factual, por exemplo. Neste momento, destacaríamos dois: a
completa ausência de honestidade intelectual e de rigor na apuração.
Há quem entenda a emblemática
apuração do caso Watergate como um conto de fadas. Num belo dia de
verão, Woodward e Bernstein encontraram em um estacionamento uma fada
madrinha chamada Garganta Profunda, ganharam um presente mágico,
publicaram um texto e derrubaram o presidente republicano Richard Nixon.
A vida real foi bem diferente. A dupla de repórteres publicou centenas
de reportagens, checadas exaustivamente a partir de indicações nem
sempre claras da fonte. Seu grande mérito foi seguir à risca uma
recomendação: sigam o dinheiro.
Evocamos o caso Watergate por conta
do reaparecimento na mídia do chamado mensalão. No sábado 2, a revista
Época publicou o que dizia ser o relatório final da PF sobre o escândalo
que abalou o governo Lula. A reportagem da semanal da Editora Globo
estimulou uma série de editoriais e inspirou colunistas a afirmarem que o
relatório seria a prova da existência do mensalão, o pagamento mensal a
parlamentares em troca de apoio ao governo.
Na quarta 6, CartaCapital teve
acesso ao trabalho do delegado Luís Flávio Zampronha, base da “denúncia”
de Época. Nas próximas páginas, Leandro Fortes conta o que realmente
escreveu o delegado. A começar pelo simples de fato de que não se trata
de um relatório final, como afirma a semanal da Globo, mas de uma
investigação complementar feita a pedido do Ministério Público cujo
objetivo era mapear as fontes de financiamento do valerioduto. Nas mais
de 300 páginas, não há nenhuma linha que permita à Época ou a qualquer
outro meio de comunicação afirmar que o mensalão tenha sido provado. Ao
contrário. À página 5, e em diversos outros trechos, Zampronha foi
categórico: “Esta sobreposição diz respeito apenas a questões pontuais
sobre a metodologia de captação e distribuição dos valores manipulados
por Marcos Valério e seus sócios, não podendo a presente investigação,
de forma alguma, apresentar inferências quanto ao esquema de compra de
apoio político de parlamentares da base de sustentação do governo
federal”.
Não se trata de uma mera questão
semântica nem, da nossa parte, um esforço para minimizar qualquer crime
cometido pelo PT e por integrantes do governo Lula. CartaCapital, aliás,
nunca defendeu a tese de que o caixa 2, associado a um intenso lobby e
também alimentado com dinheiro público, seja menos grave que a compra de
apoio parlamentar. A história do mensalão serve, na verdade, ao outro
lado, àquele que nos acusa de parcialidade. Primeiro, por ter o condão
de circunscrever o escândalo apenas ao PT e, desta forma, usá-lo como
instrumento da disputa de poder. Depois, por esconder a participação do
banqueiro Daniel Dantas, cujos tentáculos na mídia CartaCapital denuncia
há anos, e a do PSDB, legenda preferida dos patrões e seus prepostos
nas redações. Em nome desta aliança, distorce-se e mente-se quando
necessário. E às favas o jornalismo.
Em 2005, quando a mídia desviou-se
do núcleo do escândalo, desprezando a lição de Watergate, em busca de
denúncias capazes de levar ao impeachment de Lula (quem não se lembra da
lendária “reportagem” sobre os dólares de Cuba?), CartaCapital
manteve-se firme no propósito de seguir o dinheiro. Temos orgulho de
nosso trabalho. Fomos os primeiros a esmiuçar a participação de Dantas
no financiamento do valerioduto. Demonstramos com detalhes
incontestáveis a origem e as ramificações das falcatruas de Marcos
Valério, sem poupar ninguém.
Em agosto daquele ano, quando veio à
tona a viagem de Marcos Valério a Portugal, a mídia em coro afirmou que
o publicitário viajara a Lisboa com o objetivo de vender o estatal
Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) ao banco Espírito Santo. Nossa
reportagem do mesmo período comprovava outro enredo: Valério tinha a
missão de negociar a Telemig Celular, controlada pelo Opportunity e os
fundos de pensão, à Portugal Telecom. E explicava como o então ministro
José Dirceu. Associado a outros petistas, participara da tramóia a favor
do banqueiro orelhudo. A venda da Telemig, da forma imaginada, levaria
os fundos a perdas irreversíveis, renderia bilhões a Dantas e alguns
milhões aos cofres petistas. Bastaria ao governo retirar Sergio Rosa do
comando da Previ, a fundação dos funcionários do Banco do Brasil que
resistiam bravamente às manobras dantescas. Em depoimentos que constam
do inquérito do mensalão no Supremo Tribunal Federal, as fontes
portuguesas que se encontraram com Valério em Lisboa confirmaram a
história contada por CartaCapital.
Sempre enxergamos no lamentável
escândalo do valerioduto uma oportunidade de o Brasil compreender a
fundo o esquema de captura de partidos e governos por meio do
financiamento ilegal de campanhas. O mensalão, em grande medida, se
conecta a outros tantos casos recentes da história nada republicana do
poder. O ministro Joaquim Barbosa, do Supremo, tem a oportunidade de pôr
a limpo estes esquemas e de revelar por completo a influência de Dantas
nos governos FHC e Lula, na mídia e no Judiciário. Acima dos interesses
partidários, a bem do País.
O relatório de Zampronha é mais uma
prova de que estávamos certos. Por isso, decidimos lançar um desafio. A
partir da noite da quinta-feira 7 publicaremos em nosso site a íntegra
do relatório da PF. Os interessados poderão assim conferir, livres de
qualquer mediação, quem é fiel à verdade factual e quem não é. Quem
pratica jornalismo e quem defende interesses inconfessáveis. Quem é
independente.
A verdade sobre o relatório da PF
Por Leandro Fortes
O escândalo do mensalão voltou à
cena. Em páginas recheadas de gráficos, infográficos, tabelas e quadros
de todos os tipos e tamanhos, a revista Época anunciou, na edição que
chegou às bancas no sábado 2, ter encontrado a pedra fundamental da mais
grave crise política do governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, entre 2005 e 2006. Com base em um relatório sigiloso da Polícia
Federal, encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, a semanal da Editora
Globo concluiu sem mais delongas: a PF havia provado a existência do
mensalão e o uso de dinheiro público no esquema administrado pelo
publicitário Marcos Valério de Souza. Outro aspecto da reportagem
chamada atenção: o esforço comovente em esconder o papel do banqueiro
Daniel Dantas no financiamento do valerioduto. Alguns trechos pareciam
escritos para beatificar o dono do Opportunity, apresentado como um
empresário achacado pela sanha petista por dinheiro.
As provas do descalabro estariam
nas 332 páginas do inquérito 2.474, tocado pelo delegado Luiz Flávio
Zampronha, da Divisão de Combate a Crimes Financeiros da PF e
encaminhado ao ministro Joaquim Barbosa, relator no STF do processo do
“mensalão”. Inspirados no relato de Época, editorialistas, colunistas e
demais istas não tiveram dúvidas: o mensalão estava provado.
Estranhamente, a mesma turma praticamente silenciou a respeito dos
trechos que tratavam de Dantas.
Infelizmente, os leitores de Época
não foram informados corretamente a respeito do conteúdo do relatório
escrito, com bastante rigor e minúcias, pelo delegado Zampronha. Em
certa medida, sobretudo na informação básica mais propalada, a de que o
“mensalão” havia sido confirmado, esses mesmos leitores foram enganados.
Não há uma única linha no texto que confirme a existência do tal
esquema de pagamentos mensais a parlamentares da base governista em
troca de apoio a projetos do governo no Congresso Nacional.
Ao contrário. Em mais de uma
passagem, o policial faz questão de frisar que o inquérito, longe de ser
o “relatório final do mensalão”, é uma investigação suplementar do
chamado “valerioduto”, solicitada pela Procuradoria Geral da República,
para dar suporte à denúncia inicial, esta sim baseada na tese dos
pagamentos mensais. Trata, portanto, da complexa rede de arrecadação,
distribuição e lavagem de dinheiro sujo montada por Marcos Valério.
Zampronha teve, inclusive, o trabalho de relatar como esse esquema a
envolver financiamento ilegal de campanha e lobbies privados começou em
1999, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, e terminou em 2005, na
administração Lula, após ser denunciado pelo deputado Roberto
Jefferson, do PTB. Ao longo do texto, fica clara a percepção do delegado
de que nunca houve “mensalão” (o pagamento mensal a parlamentares), mas
uma estratégia mafiosa de formação de caixa 2 e que avançaria sobre o
dinheiro público de forma voraz caso não tivesse sido interrompida pela
eclosão do escândalo.
Na quarta-feira 6, CartaCapital
teve acesso ao relatório. Para não tornar seus leitores escravos da
interpretação exclusiva da reportagem que se segue, decidiu publicar na
internet (www.cartacapital.com.br) a íntegra do documento. Assim, os
interessados poderão tirar suas próprias conclusões. Poderão verificar,
por exemplo, que o delegado ateve-se a identificar as fontes de
financiamento do valerioduto. E mais: notar que Dantas é o principal
alvo do inquérito.
Ao contrário do que deu a entender a
revista Época, não se trata do “relatório final” sobre o mensalão.
Muito menos foi encomendado pelo ministro Barbosa para esclarecer “o
maior escândalo de corrupção da República”, como adjetiva a semanal.
Logo na abertura do relatório, Zampronha faz questão de explicar – e o
fará em diversos trechos: a investigação serviu para consolidar as
informações relativas às operações financeiras e de empréstimos fajutos
do “núcleo Marcos Valério”. Em seguida, trata, em 36 páginas (mais de
10% de todo o texto), das relações de Marcos Valério com Dantas e com os
petistas. À página 222, anota, por exemplo: “Pelos elementos de prova
reunidos no presente inquérito, contata-se que Marcos Valério atuava
como interlocutor do Grupo Opportunity junto a representantes do Partido
dos Trabalhadores, sendo possível concluir que os contratos (de
publicidade) realmente foram firmados a título de remuneração pela
intermediação de interesse junto a instâncias governamentais”.
O foco sobre Dantas não fez parte
de uma estratégia pessoal do delegado. No fim do ano passado, a
Procuradoria Geral da República determinou à PF a realização de
diligências focadas no relacionamento do valerioduto com as empresas
Brasil Telecom, Telemig Celular e Amazônia Celular. As três operadoras
de telefonia, controladas à época pelo Opportunity, mantinham vultosos
contratos com as agências DNA e SMP&B de Marcos Valério. Zampronha
solicitou todos os documentos referentes a esses pagamentos, tais como
contratos, recibos, notas fiscais e comprovantes de serviços prestados. A
conclusão foi de que a dupla Dantas-Valério foi incapaz de comprovar os
serviços contratados.
As análises financeiras dos laudos
periciais encomendados ao Instituto Nacional de Criminalística da PF
revelaram que, entre 1999 e 2002, no segundo governo FHC, apenas a
Telemig Celular e a Amazônia Celular pagaram às empresas de Marcos
Valério, via 1.169 depósitos em dinheiro, um total de 77,3 milhões de
reais. Entre 2003 e 2005, no governo Lula, esses créditos, consumados
por 585 depósitos das empresas de Dantas, chegaram a 87,4 milhões de
reais. Ou seja, entre 1999 e 2005, o banqueiro irrigou o esquema de
corrupção montado por Marcos Valério com nada menos que 164 milhões de
reais. O cálculo pode estar muito abaixo do que realmente pode ter sido
transferido, pois se baseia no que os federais conseguiram rastrear.
Segundo o relatório, existem
triangulações financeiras típicas de pagamento de propina e lavagem de
dinheiro. Em uma delas, realizada em 30 de julho de 2004, a Telemig
Celular pagou 870 mil reais à SMP&B, depósito que se somou a outro,
de 2,5 milhões de reais, feito pela Brasil Telecom. O total de 3,4
milhões de reais serviu de suporte para transferências feitas em favor
da empresa Athenas Trading, no valor de 1,9 milhão de reais, e para a By
Brasil Trading, de 976,8 mil reais, ambas utilizadas pelo esquema de
Marcos Valério para mandar dinheiro ao exterior por meio de operações de
câmbio irregulares, de modo a inviabilizar a identificação dos
verdadeiros beneficiários dos recursos. Em consequência, Zampronha
repassou ao Ministério Público Federal a função de investigar se houve
efetiva prestação de serviços por parte das agências de Marcos Valério
às empresas controladas pelo Opportunity.
A principal pista da participação
de Dantas na irrigação do valerioduto surgiu, porém, a partir de uma
auditoria interna da Brasil Telecom, realizada em 2006. Ali
demonstrou-se que, às vésperas da instalação da CPMI dos Correios, em
2005, na esteira do escândalo do “mensalão” e no momento em que a
permanência do Opportunity no comando da telefônica estava sob ameaça, a
DNA e a SMP&B celebraram com a BrT contratos de 50 milhões de
reais. Dessa forma, as duas empresas de Marcos Valério puderam,
sozinhas, abocanhar 40% da verba publicitária da Brasil Telecom. Isso
sem que a área de marketing da operadora tivesse sido consultada.
Ao delegado, Dantas afirmou que, a
partir de 2000, ainda no governo FHC, passou a “sofrer pressões” da
italiana Telecom Italia, sócia da BrT. Em 2003, já no governo Lula, o
banqueiro afirma ter sido procurado pelo então ministro-chefe da Casa
Civil, o ex-deputado José Dirceu, com quem teria se reunido em Brasília.
Na conversa com Dirceu, afirma
Dantas, o ministro teria se mostrado interessado em resolver os
problemas societários da BrT e encerrar o litígio do Opportunity com os
fundos de pensão de empresas estatais. O Palácio do Planalto teria
escalado o então presidente do Banco do Brasil, Cassio Casseb, para
cuidar do assunto. Casseb viria a ser um dos alvos da arapongagem da
Kroll a pedido do Opportunity. O caso, que envolveu a espionagem de
integrantes do governo FHC e da administração Lula, baseou a Operação
Chacal da PF em 2004.
Dantas afirmou ter se recusado a
“negociar” com o PT. Após a recusam acrescenta, as pressões aumentaram e
ele teria começado a ser perseguido pelo governo. Mas o banqueiro não
foi capaz de provar nenhuma das acusações, embora seja claro que
petistas se aproveitaram da guerra comercial na telefonia para extrair
dinheiro do orelhudo. Só não sabiam com quem se metiam. Ou sabiam?
O fundador do Opportunity também
repetiu a versão de que um de seus sócios, Carlos Rodemburg, havia sido
procurado pelo então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, acompanhado de
Marcos Valério, para ser informado de um déficit de 50 milhões de reais
nas contas do partido. Teria sido uma forma velada de pedido de propina,
segundo Dantas, nunca consolidado. O próprio banqueiro, contudo,
admitiu que Delúbio não insinuou dar nada em troca da eventual
contribuição solicitada. Negou, também, que tenha mantido qualquer
relação pessoal ou comercial com Marcos Valério, o que, à luz das provas
recolhidas por Zampronha, soam como deboche. “O depoimento de Daniel
Dantas está repleto de respostas evasivas e esquecimentos de datas e
detalhes dos fatos”, informou no despacho ao ministro Barbosa.
Chamou a atenção do delegado o fato
de os contratos da BrT com as agências de Marcos Valério terem somado
os exatos 50 milhões de reais que teriam sido citados por Delúbio no
encontro com Rodemburg. Para Zampronha, a soma dos contratos, assim como
outras diligências realizadas pelo novo inquérito, “indicam claramente”
que, por algum motivo, o Grupo Opportunity decidiu efetuar os repasses
supostamente solicitados por Delúbio, com a intermediação das agências
de Marcos Valério, como forma de dissimular os pagamentos.
Os contratos da DNA e da SMP&B
com a Brasil Telecom, segundo Zampronha, obedecem a uma sofisticada
técnica de lavagem de dinheiro, usada em todo o esquema de Marcos
Valério, conhecida como commingling (mescla, em inglês). Consiste em
misturar operações ilícitas com atividades comerciais legais, de modo a
permitir que outras empresas privadas possam se valer dos mesmos
mecanismos de simulação e superfaturamento de contratos de publicidade
para encobrir dinheiro sujo. No caso da BrT, cada um dos contratos, no
valor de 25 milhões de reais, exigia contratação de terceiros para serem
executados. Além disso, havia a previsão de pagamento fixo de 187,5 mil
reais mensais às duas agências do Valerioduto, referente à prestação de
serviços de “mídia e produção”.
Surpreendentemente, e contra todas
as evidências, Dantas disse nunca ter participado da administração da
BrT. Por essa razão, não teria condições de prestar qualquer informação
sobre os contratos firmados pela então presidente da empresa, Carla
Cicco, indicada por ele, com as agências de Marcos Valério. De volta a
Itália desde 2005, Carla Cicco informou à PF não ter tido qualquer
participação ou influência na contratação das agências, apesar de
admitir ter assinado os contratos. Disse ter se encontrado com Marcos
Valério uma única vez, numa reunião de trabalho com representantes da
DNA.
O protagonismo de Dantas no
valerioduto e o desmembramento da rede de negócios montada por Marcos
Valério, desde 1999, nos governos do PSDB e do PT são elementos que, no
relatório da PF, desmontam, por si só, a tese do pagamento de propinas
mensais a parlamentares. Ou seja, a tese do “mensalão”, na qual se
baseou a denúncia da PGR encaminhada ao Supremo, não encontra respaldo
na investigação de Zampronha, a ponto de sequer ser considerada como
ponto de análise.
O foco do delegado é outro crime,
gravíssimo e comum ao sistema político brasileiro, de financiamento
partidário baseado em arrecadação ilícita, montagem de caixa 2 e,
passadas as eleições, divisão ilegal de restos de campanha a aliados e
correligionários. Por essa razão, ele encomendou os novos laudos
detalhados ao INC.
Uma das primeiras conclusões dos
laudos de exame contábil foi que Marcos Valério usava a DNA Propaganda
para desviar recursos do Fundo de Incentivo Visanet, empresa com
participação acionária do Banco do Brasil, e distribui-los aos
participantes do esquema do PT e de partidos aliados. O fundo foi criado
em 2001 com o objetivo de financiar ações de marketing para incentivar o
uso de cartões da bandeira Visa. O Visanet foi, inicialmente,
constituído com recursos da Companhia Brasileira de Meios e Pagamentos
(CBMP), nome oficial da empresa privada Visanet, e distribuído em cotas
proporcionais de um total de 492 milhões de reais a 26 acionistas. Além
do BB participam o Bradesco, Itaú, HSBC, Santander, Rural, e até mesmo o
Panamericano, vendido recentemente por Silvio Santos ao banqueiro André
Esteves. “Para operar tais desvios, Marcos Valério aproveita-se da
confusão existente entre a verba oriunda do Fundo de Incentivo Visanet e
aquela relacionada ao orçamento de publicidade próprio do Banco do
Brasil”, anotou o policial.
O BB repassava mais de 30% do
volume distribuído pelo fundo, cerca de 147,6 milhões de reais, valor
correspondente à participação da instituição no capital da Visanet.
Desse total, apenas a DNA Propaganda recebeu 60,5% do dinheiro, cerca de
90 milhões de reais, entre 2001 e 2005, divididos por dois anos no
governo FHC, e por dois anos e meio, no governo Lula. Daí a constatação
de que, de fato, por meio da Visanet, o valerioduto foi irrigado com
dinheiro público. O que nunca se falou, contudo, é que essa sangria não
se deu somente durante o governo petista, embora tenha sido nele o
período de maior fartura da atividade criminosa. Quando eram os tucanos a
coordenar o fundo, Marcos Valério meteu a mão em ao menos 17,2 milhões
de reais.
De acordo com o relatório da PF,
Marcos Valério tinha consciência de que agências de publicidade e
propaganda representavam um mecanismo eficaz para desviar dinheiro
público, por conta do caráter subjetivo dos serviços demandados. Mas
havia um detalhe mais importante, como percebeu Zampronha. Com as
agências, Valério passou a lidar com a compra de espaços publicitários
em diversos veículos de comunicação. “Esta relação econômica estreitava o
vínculo do empresário com tais veículos e poderia facilitar o
direcionamento de coberturas jornalísticas”.
As Organizações Globo, proprietária
da revista Época, sonegou a seus leitores, por exemplo, ter sido a
maior beneficiária de uma das principais empresas do valerioduto. À
página 68 do relatório, e em outras tantas, a TV Globo é citada
explicitamente. Escreve o delegado: “A nota emitida pela empresa de
comunicação destaca-se por sua natureza fiscal de adiantamento,
“publicidade futura”, isto é, a nota por si só não traz qualquer
prestação de serviço, como também não há elementos que vincule os
valores adiantados ao fundo de incentivo Visanet”. Zampronha se referia a
contratos firmados em 2003 no valor de 720 mil reais e 2,88 milhões de
reais. Entre 2004 e 2005, a TV Globo receberia outros pagamentos da DNA,
no valor total de 1,2 milhão de reais, lançados na planilha de controle
do Fundo Visanet.
Mesmo tratado com simpatia na
reportagem da Época, o Opportunity não perdoou. No item 17 de uma longa
nota oficial em resposta, o banco atira: “Na Telemig, segundo
informações prestadas à CPI do Mensalão, a maioria dos recursos eram
repassados às Organizações Globo. Por isso, a apuração desses fatos fica
fácil de ser feita pela Época.”
Segundo Zampronha, o objetivo do
valerioduto era criar empresas de fachada para auxiliar na movimentação
de dinheiro sujo e manter os interessados longe dos órgãos oficiais de
fiscalização e controle. O leque de agremiações políticas para as quais
Marcos Valério “prestava serviços” era tão grande que não restou dúvida
ao delegado: “Estamos diante de um profissional sem qualquer viés
partidário”. Isso não minimiza o fato de o PT, além de qualquer outra
legenda, ter se lambuzado no esquema. Não fosse a denúncia de Jefferson,
o valerioduto teria se inscrutado de forma absoluta no Estado
brasileiro e se transformado em uma torneira permanemente aberta por
onde jorraria dinheiro público para os cofres petistas.
CartaCapital não espera, como de
costume, que esta reportagem tenha repercussões na mídia nativa. À
exceção da desbotada tese do mensalão, que serve à disputa
político-partidária na qual os meios de comunicação atuam como
protagonistas, não há nenhum interesse em elucidar os fatos. O que, se
assim for, provará que a sociedade afluente navega tranquilamente sobre o
velho mar de lama.
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