Publicado em
24/09/12 22:24
Um grupo de evangélicos está tirando doce de criança com uma mão para
dar com a outra. A troca acontece em pleno Dia de São Cosme e São
Damião, comemorado em 27 de setembro na cultura popular. E dentro da
igreja Projeto Vida Nova, na Vila da Penha, onde os pastores “convidam”
mil meninas e meninos a entregar-lhes os saquinhos que conseguiram na
rua para receber outros, “abençoados por Deus”.
- É apenas um
convite. Só entrega os doces quem quer. Geralmente, os saquinhos são
queimados, representando fim de todo o mal que, por ventura, foi
direcionado às crianças - avisa o pastor Isael Teixeira.
Ele conta que geleia, pipoca doce, bananada e pirulito chegam
às mãos de oito a dez mil crianças, nos 70 templos da unidade, ao lado
de uma surpresa: a Bíblia. É para comer “orando”.
- A gente pede
para trocar o doce abençoado (da igreja) pelo amaldiçoado. Nosso projeto
é um meio de trazer as crianças (que não são evangélicas) para o bem,
livrando-as do mal. Se a criança come doce (de rua), pode plantar uma
semente dentro dela. Eles (outros religiosos) invocam os espíritos para
que entrem nos doces - diz.
A entrega dos sacos gospel é promovida na igreja há mais de 20
anos. Três deles com a presença da cabeleireira Raquel Cristo, de 36
anos, uma fiel convertida.
- Se alguém dá doce para meu filho na
rua, eu até pego para não fazer desfeita. Mas depois jogo fora. Minha
mãe foi espírita e nós vivíamos doentes. Ela fazia mesa de doces de
Cosme e Damião e chamava sete crianças para comê-los. Hoje, acredito que
a função disso era transferir a nossa doença para elas.
Para o
presidente da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR),
babalaô Ivanir dos Santos, a ação evangélica “dá sentido a uma mentira”.
-
Estão fazendo troca simbólica com as crianças porque, no fim das
contas, também dão doces. Demonizar a fé de outra religião e ter um
mesmo sentido, que é o doce, é um ato de intolerância. E isso, sim, é
pecado.
A vice-presidente do Movimento Umbanda do Amanhã (Muda), Marilena Mattos, concorda.
-
Isso é um fiel retrato da intolerância religiosa. Eles estão mostrando
que não aceitam a Umbanda como religião, pois estão denominando nossos
rituais como sendo do mal - defende.
Outra casa de Deus onde
também há entrega de doces é a católica Paróquia da Ressureição, no
Arpoador. Mas algumas crianças atendidas lá ouviram que os saquinhos
seriam do diabo.
- Algumas disseram que a professora falou isso.
Esse fanatismo de alguns evangélicos pode nos levar a um extremismo.
Incutem o medo nas crianças ao dizer que o doce é do diabo. E isso não é
de Deus - diz o padre José Roberto Devellard.
Psicóloga
especializada em crianças, Katia Campbell diz que as polêmicas
religiosas não conseguem competir com o verdadeiro interesse dos
pequenos.
- As crianças não entendem isso. Elas só querem o doce.
Intolerância assusta
Surpresa - O
padre José Roberto Devellard, da Paróquia da Ressurreição, no Arpoador,
conta que ficou impressionado quando uma menina, sem saber quem ele é,
lhe disse que os saquinhos de doce não são de Deus.
Um novo ciclo - O
pastor Isael Teixeira diz que a partir de amanhã pode ser aberto um
ciclo de trabalhos em cima de crianças e jovens, já que São Cosme e São
Damião são festejados pela igreja católica no dia 26; na Umbanda e no
Candomblé, no dia 27, e na igreja ortodoxa em 1º de novembro.
Recado - No
lugar da foto dos santos gêmeos, o saco de doces do Projeto Vida Nova,
na Vila da Penha, estampa a frase: “Jesus, o único protetor das
crianças”.
Liberdade - A troca de sacos de doce na
igreja evangélica não é um ato de intolerância religiosa, afirma o
pastor Isael Teixeira. “Temos a liberdade”, alerta.
Igualdade - “Nossos
doces são tão iguais ao dos pastores. Vamos à loja, compramos, enchemos
os saquinhos e distribuímos às crianças. Não há nada que faça mal a
elas. Respeitamos a distribuição de doces deles, mas repudiamos a troca
dos saquinhos”, diz pai Renato de Obaluaê, presidente da Irmandade
Religiosa de Cultura Afro-Brasileira.
Divergência - “O problema não é dar doce, mas trocar os sacos”, opina o babalaô Ivanir dos Santos.
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